Uma audiência realizada na Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais da Câmara dos Deputados, reuniu ambientalistas que afirmaram que o Brasil deve priorizar a discussão das questões domésticas do clima e está atrasado na mitigação dos efeitos climáticos. Segundo eles, o atraso se deve, por exemplo, aos entraves na proteção de direitos sociais e ambientais. O evento aconteceu no último dia 24, em Brasília.
O presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), Carlos Bocuhy, entende que as políticas de adaptação climática realizadas no País ainda são segregacionistas, uma vez que não privilegiam a voz de povos indígenas nos centros de decisão.
“As populações indígenas têm de ter um nível de participação nas esferas de decisão sobre seus territórios, porque elas sabem o que é necessário fazer e elas estão sentindo na pele o decréscimo da pesca e a questão do calor”, pontuou.
Segundo os ativistas, ao invés de focar nas agendas internacionais como a Conferência do Clima, o Brasil deve privilegiar a pauta doméstica, buscando fortalecer os direitos dos povos tradicionais e a redução do desmatamento.
Bocuhy entende que seja necessária a criação de comitês regionais, com a participação das comunidades afetadas e do Ministério Público, entre outros, onde serão tomadas as decisões sobre aplicação de recursos, o que, segundo ele, evitaria o desvio de verbas destinadas à política ambiental.
“Não podemos deixar que os recursos sejam dirigidos aos municípios, e com eles fique a decisão, porque eles não têm aporte técnico e científico para a tomada de decisão em relação à gestão”, reforçou.
Alta nas temperaturas
Um dos temas da discussão foram as ondas de calor que atingiram todo o país, evidenciando o efeito nocivo das mudanças climáticas provocadas pelo atual modelo de desenvolvimento econômico.
Luciana Vanni Gatti, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, explicou características que levam à ocorrência desses eventos extremos: áreas desmatadas onde a superfície fica mais exposta ao sol, ou quando ocorre a plantação de espécies que contribuem para o ressecamento do solo, como o eucalipto. Gatti considera fundamental a participação efetiva dos povos indígenas nas decisões sobre a ocupação de territórios como ferramenta para a mitigação dos efeitos.
“Os eventos extremos acontecem com maior intensidade onde os sistemas foram muito alterados, como na Bahia, no Espírito Santo, em São Paulo e no Rio Grande do Sul. Os povos indígenas e a nossa área preservada são a nossa fábrica de chuva, da qual o agronegócio é dependente “, explicou.
O biólogo e indígena Eriki Terena afirmou que, só no Pantanal, foram consumidos pelo fogo 200 mil hectares apenas em 2023 e que atualmente existem 480 focos de calor no bioma. “Para nós, povos indígenas, não podemos nos dar esse luxo de que suma essa preocupação com o território e com o clima. Para nós, essa realidade é diária, nós não podemos esquecer a crise climática”, reforçou.
Controle de produção
De acordo com o procurador da República Daniel Azeredo, o cenário atual no País estimula a produção ilegal de commodities em unidades indígenas e áreas de conservação, uma vez que o custo de uso da terra é nulo e afirmou que o Brasil está atrasado na adoção da tecnologia de rastreabilidade de commodities, sistema já usado pelos produtores da União Européia.
“Não podemos ter commodities, gados, soja, grãos produzidos na Amazônia e no Cerrado sem a identificação completa com sua rastreabilidade desde a sua produção”, afirmou.
A coordenadora de Enfrentamento à Crise Climática do Ministério dos Povos Indígenas, Suliete Baré, admitiu a dificuldade no fortalecimento dos alicerces para a economia verde e a preservação dos ecossistemas, sobretudo diante da pressão da bancada ruralista do Congresso, mas ponderou que o atual governo está mais capacitado para alavancar a agenda ambiental.
“Nós temos um grande desafio pela frente, mas estamos preparados não só em relação ao conhecimento tradicional, mas também ao conhecimento técnico e político para estar ocupando esses espaços dentro ou fora do governo em defesa dos povos tradicionais”, destacou.
A deputada Professora Luciene (Psol-SP) informou que todas as intervenções e propostas feitas na audiência serão encaminhadas pelo colegiado ao Ministério do Meio Ambiente e demais responsáveis pelo tema.
Comissão Especial
Na quarta, 25, a Câmara instalou uma comissão especial para analisar as medidas de prevenção a desastres e calamidades naturais. A proposta é que sejam apresentadas novas leis para melhorar o sistema de cuidados e de resposta aos eventos. A comissão irá se reunir na terça-feira dia 7 de novembro para apresentação do plano de trabalho do relator e deliberação de requerimentos dos deputados.
A comissão foi criada logo após o ciclone extratropical que vitimou cerca de 50 pessoas no Rio Grande do Sul e na semana em que as regiões Centro-Oeste e Sudeste registraram recordes de temperatura em razão de uma bolha de calor.
*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU) – ODS 13 – Ação Global Contra a Mudança do Clima.
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