O marco temporal, que trata da demarcação de terras indígenas, foi um dos temas abordados por especialistas durante o I Seminário do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (Neabi) da Secretaria Municipal de Educação de Goiânia (SME) nesta quarta-feira (7).

Em Brasília e em outras regiões do país, indígenas e manifestantes pró-povos originários protestam contra o marco temporal. O presidente do Conselho Municipal para a Promoção da Igualdade Racial (Compir) de Goiânia, Jefferson Acevedo, diz que o PL 490/2007, projeto de lei que trata do tema no Congresso, e que foi aprovado na Câmara no último dia 30 de maio, representa um massacre com as populações indígenas.

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“É importante pensar em como a gente trata as nossas populações autóctones. O PL 490, de uma maneira geral, um massacre com as populações indígenas. É importante fomentar isso porque muitas pessoas não têm noção do que aconteceu com os povos indígenas no Brasil, do início da colonização até agora”, afirma Acevedo.

O presidente do Conselho Municipal para a Promoção da Igualdade Racial (Compir) de Goiânia, Jefferson Azevedo (Foto: Sagres Online)

Pela tese, defendida por proprietários de terras, os indígenas somente teriam direito às terras que estavam em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ou que estavam em disputa judicial na época.

“Discutir e ser contra o marco temporal é importante. O seminário deve fazer também essa marcação ao marco temporal, à contrariedade que é isso em relação a políticas públicas para a sociedade brasileira e, como a gente, depois de mais de 500 anos, continua perseguindo as populações indígenas no Brasil”, complementa Acevedo.

Educação

Para o professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) e vice-presidente do Núcleo de Estudos Afro-descendentes e Indígenas, José Humberto Rodrigues dos Anjos, valorizar a história e cultura dos povos originários desde a educação infantil é fundamental para a criação ou manutenção de políticas públicas nesse sentido.

“Se essa mobilização não acontece, as políticas públicas ficam mortas. A gente precisa de mobilização para que a política pública ganhe vida. Por isso esses seminários acabam se tornando iniciativas tão importantes. Sem o seminário para pensar essas políticas públicas, elas ficam esquecidas e vão colaborando para essa ideia de Brasil cordial”, pontua José Humberto.

O professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) e vice-presidente do Núcleo de Estudos Afro-descendentes e Indígenas, José Humberto, durante seminário do Neabi (Foto: SME)

O mesmo vale para a inclusão nas universidades. É o que destaca o secretário-adjunto de Inclusão, diretor de Ações Afirmativas e presidente da Comissão de Heteroidentificação da Universidade Federal de Goiás (UFG), professor Pedro Cruz.

“Trabalhamos com inclusão na universidade e sabemos que não é possível fazer inclusão se não estivermos preparados para fazer o combate à prática do racismo em nosso país, para fazer frente a todas essas ações que ameaçam, por exemplo, os nossos povos originários”, acrescenta, em referência ao projeto que determina o Marco Temporal”, conclui.

O secretário-adjunto de Inclusão, diretor de Ações Afirmativas e presidente da Comissão de Heteroidentificação da UFG, professor Pedro Cruz (Foto: Sagres Online)

Brasília

Nesta quarta-feira (7), o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o julgamento do marco temporal para demarcação de territórios no país. Cinquenta cadeiras estão no plenário para que indígenas assistam aos debates. A sessão está marcada para começar às 14h.

Um telão também será montado na lateral do Supremo, onde haverá permissão para a permanência de 250 indígenas. A autorização para a presença de representantes dos povos originários se deu pela ministra Rosa Weber. presidente da Corte, que recebeu, nessa terça-feira (6) alguns desses representantes em seu gabinete. 

Assim como nas outras oportunidades em que o recurso sobre o assunto esteve na pauta, centenas de indígenas vieram a Brasília acompanhar o julgamento de perto. 

O caso terá reinício com o voto do ministro Alexandre de Moraes. Ele pediu vista (mais tempo para análise) ainda em 2021, quando se iniciou o julgamento. Até o momento, votaram o relator Edson Fachin, que foi contrário à tese de um marco temporal, e o ministro Nunes Marques, favorável à tese. 

Desde segunda-feira (5), indígenas de todo o país se reúnem, em Brasília, em um acampamento montado perto da Esplanada dos Ministérios, para acompanhar a decisão da Corte. 

Povos indígenas estão entre temas centrais do I Seminário do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (Neabi) da SME Goiânia (Foto: Johann Germano)

Controvérsia

A disputa está ligada ao julgamento de 2009, em que o Supremo decidiu a favor da demarcação da Terra Indígena Raposa Terra do Sol, Roraima. À época, fez parte do entendimento favorável à medida o fato de que os povos indígenas ocupavam a área no momento da promulgação da Constituição. A data era 5 de outubro de 1988. 

A partir daí, tal entendimento deu vazão a dezenas de processos contra a demarcação de terras indígenas. Com base nessa tese, alguns proprietários rurais conseguiram decisões favoráveis nas primeiras instâncias da Justiça. 

O caso que chegou ao plenário do Supremo é um recurso contra decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). O tribunal, valendo-se do marco temporal, deu razão ao estado de Santa Catarina na disputa com o povo Xokleng pela posse da Terra Indígena Ibirama.

O recurso que discute o tema tem repercussão geral. Isso significa que o desfecho do julgamento servirá de parâmetro para analisar a legitimidade de todas as demarcações de terras indígenas no país. 

Argumentos

O debate contrapõe povos indígenas e entidades representantes do agronegócio. Eles alegam ser necessário, em nome da segurança jurídica, estabelecer que somente terras ocupadas por indígenas na data da promulgação da Constituição de 1988 podem ser demarcadas. 

Nessa perspectiva, o argumento é de que proprietários que ocupavam e produziam em suas terras antes de 1988 não poderiam sair por obrigação somente com base em indícios da existência de indígenas no local em tempos longínquos. Isso colocaria em risco de desapropriação boa parte das terras produtivas do país, alegam os representantes de diversos setores agropecuários.

O advogado Rudy Ferraz falou em nome da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Ele argumentou que o marco temporal é “importante instrumento de conciliação” para a resolução de conflitos agrários. 

“Não podemos viver numa insegurança completa, com a possibilidade de qualquer título, daqui a 10 ou 20 anos, ser anulado porque alguém no passado falou que havia possibilidade de ter terra indígena ali”, acrescentou o defensor, em sustentação oral, no início do julgamento. 

De lado contrário, organizações como Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) defendem que a Constituição não faz nenhuma menção a marco temporal. Afirmam ainda que a tese desconsidera centenas de anos de esbulhos e perseguições aos povos originários. 

“Impor sobre nós o ônus de estar ocupando nossas terras em 5 de outubro de 1988 é desconsiderar esse passado muito recente, no qual sequer tínhamos direito de definir nossos destinos”, disse a advogada Samara Pataxó, coordenadora jurídica da Apib.

Ao todo, falaram no julgamento representantes de 21 entidades favoráveis aos povos indígenas e 13 favoráveis aos produtores rurais. O procurador-geral da República, Augusto Aras, se posicionou contra o marco temporal. Ele frisa que os direitos originários dos povos indígenas já existiam em leis e normas anteriores à Constituição de 1988. 

Votos

Em seu voto, o ministro Edson Fachin afirmou que os direitos originários dos povos indígenas são fundamentais. Têm, portanto, o status de cláusula pétrea na Constituição, não podendo ser alterados ou relativizados. Acrescentou que esses direitos já existiam antes da Carta de 1988.

“A data da promulgação da Constituição de 1988 não constitui marco temporal para a aferição dos direitos possessórios indígenas, sob pena de desconsideração desses direitos enquanto fundamentais, bem como de todo o arcabouço normativo-constitucional da tutela da posse indígena ao longo do tempo”, disse o relator. 

Cássio Nunes Marques abriu divergência. Para ele, a soberania nacional poderia estar em risco caso não seja estabelecido um marco temporal. O ministro acredita na possibilidade de uma “expansão ilimitada” das áreas passíveis de reivindicação pelos indígenas.

“Posses posteriores [a 5 de outubro de 1988] não podem ser consideradas tradicionais, porque implicariam não apenas o reconhecimento dos indígenas a suas terras, como o direito de expandi-las ilimitadamente para outras áreas já incorporadas ao mercado imobiliário nacional”, disse Marques.

Projeto de lei

Paralelamente à discussão no Supremo, a Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei de 2007 que institui o marco temporal. A tramitação do PL 490/2007 foi acelerada depois que Rosa Weber, presidente do Supremo, marcou a retomada do julgamento sobre o assunto. A ministra fez o anúncio em abril. 

O PL do Marco Temporal foi aprovado na Câmara em regime de urgência, na semana passada, e encaminhado ao Senado. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já declarou, contudo, que o assunto não tramitará em caráter de urgência na Casa. O assunto deve, portanto, seguir o rito normal de discussão nas comissões temáticas.

Com isso, há possibilidade de o projeto acabar no limbo, caso o Supremo considere que a ideia de um marco temporal para a demarcação de terras indígenas fere cláusula pétrea da Constituição. 

Com informações da Agência Brasil

*Este conteúdo contempla os Objetivos de Desevolvimento Sustentável (ODS) 04 e 10 da Agenda 2030 da ONU, por uma Educação de qualidade e pela Redução das desigualdades, respectivamente.

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