LUCAS BOMBANA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
– A partir de 2 de janeiro de 2023, os investidores com títulos privados de renda fixa passarão a perceber uma diferença nos extratos de bancos e corretoras contendo o desempenho de suas aplicações financeiras.

Dessa data em diante, papéis emitidos por grandes empresas para captar recursos nos agentes financeiros, como as debêntures e os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) e do Agronegócio (CRA), terão de seguir uma regra conhecida no jargão como marcação a mercado.

Na marcação a mercado, o título de renda fixa passa a refletir as oscilações diárias de preços nas negociações entre os investidores no dia a dia, que podem ocorrer por questões envolvendo a percepção média dos agentes de mercado em relação à empresa emissora do papel, conhecido como risco de crédito, ou por aspectos mais ligados ao cenário macroeconômico de forma geral, conhecido como risco de mercado.

Nos últimos dias, com o debate sobre a condução da política fiscal pelo governo Lula a partir de 2023 deixando os investidores receosos, por exemplo, as taxas dos títulos negociados no mercado tiveram uma forte alta, o que fez com que os preços dos papéis caíssem, considerado o valor de face que o investidor pagou pelo ativo –isso acontece porque, uma vez que o título passa a ser rentabilizado por uma taxa de juros mais alta do que no momento da aquisição, automaticamente o preço do papel diminui.

Entre os títulos públicos negociados no Tesouro Direto, plataforma voltada para a negociação de títulos públicos pelo investidor pessoa física que já segue a regra da marcação a mercado desde 2002, o preço do título prefixado com vencimento em 2029 acumulava uma desvalorização de 5,5% nos 30 dias encerrados em 7 de dezembro, enquanto o papel indexado à inflação para 2055 cedia 5,06%.

A medida, estabelecida pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), associação de mercado que atua como autorregulador no setor, tende a aumentar a transparência no mercado, já que o investidor terá um controle mais acurado sobre como está determinado investimento em um título de renda fixa, a depender das condições no momento.

A medida exige que as distribuidoras de valores façam a divulgação da marcação a mercado em uma periodicidade, no mínimo, mensal.
“O investidor vai ver o patrimônio oscilando e vai querer entender por que oscilou, vai buscar informação, então a medida é positiva para o desenvolvimento do mercado, com o cliente mais informado e mais seguro para tomar uma decisão”, afirma Thiago Manso, executivo responsável por vendas e negociações de renda fixa da XP.

Até então, esses títulos seguiam uma regra conhecida no mercado como marcação na curva, em que a volatilidade diária dos papéis não era refletida nos extratos dos investidores, com a indicação somente do valor projetado a ser recebido pelo investidor no vencimento do papel.
900 mil investidores e R$ 200 bilhões impactados pela medida a partir de 2023 Os dados mais recentes da B3 indicam que, ao final de setembro, havia cerca de 900 mil investidores com debêntures, CRIs e CRAs na carteira, em um volume somado de aproximadamente R$ 200 bilhões.

Segundo Manso, a medida da marcação a mercado tende a trazer uma camada adicional de proteção para os investidores.

“Se o investidor não vê a volatilidade a que os títulos estão sujeitos, pode acontecer de ele achar que a posição está igual à de quando ele comprou, e só descobre na hora em que for vender que o título subiu ou caiu muito de preço, podendo ser pego de surpresa”, afirma.
A regra da marcação a mercado passa a valer a partir do ano que vem também para os títulos públicos comprados e vendidos no mercado secundário, quando os papéis trocam de mãos entre os próprios investidores.

Já os títulos emitidos por instituições financeiras, como os CDBs, as LFs (Letras Financeiras) e as LCIs (Letras de Crédito Imobiliário) e LCAS (Letras de Crédito do Agronegócio), que têm uma negociação menor que os títulos corporativos, continuam seguindo a regra da marcação na curva.

Objetivo é aumentar a transparência e padronizar o mercado, defende Anbima Superintendente de produtos de investimento do Itaú Unibanco, Rogério Calabria afirma que desde meados de 2018 que o banco já adotou a prática de fazer a marcação a mercado para os títulos corporativos de renda fixa nas carteiras dos investidores.

A nova medida estabelecida pela Anbima, portanto, não trará impacto para os clientes do banco, que já estão acostumados com a dinâmica de mercado, diz Calabria.

Entre os grandes bancos, apenas o Itaú já pratica a marcação a mercado para os títulos corporativos de renda fixa –Bradesco, Santander, Banco do Brasil, BTG Pactual e Caixa passam a implementar a medida a partir de janeiro.

“Consideramos essa a forma mais correta de informar o investidor, para que o cliente saiba quanto está valendo o título a cada dia, caso ele queira vender em determinado momento antes do vencimento”, afirma o executivo do banco.

Vice-presidente do fórum de distribuição da Anbima e executiva responsável pela área de distribuição do Santander, Luciane Effting afirma que a medida é importante para aprimorar as informações prestadas por bancos e corretoras ao cliente.

“O objetivo é levar cada vez mais transparência e padronizar a forma como o mercado opera, para que o cliente tenha a mesma informação em qualquer plataforma”, afirma a executiva.

Calabria, do Itaú, acrescenta que, com a alta no mercado de juros nas últimas semanas, a tendência é que muitos investidores que ainda não têm os títulos marcados a mercado vejam uma rentabilidade negativa dos papéis a partir de janeiro de 2023.

Segundo o superintendente de produtos de investimento do Itaú, na média, os títulos devem passar a registrar uma rentabilidade negativa entre 4% e 5% em razão do aumento dos juros no mercado.

Ele ressalta, contudo, que essa é uma previsão bastante difícil de ser feita, já que a rentabilidade vai depender de uma série de fatores, como a empresa emissora do título, o risco de crédito do papel e o prazo de vencimento.

“A medida é positiva, já que vai na linha de estimular a transparência e a educação financeira para os investidores. Embora o processo possa causar alguma dor para aqueles que passarão a ver a rentabilidade diária dos títulos, ele é necessário”, afirma Calabria.

Órama demonstra preocupação com impacto da medida para renda fixa Diretor-executivo da Órama, Thiago Villela afirma que vê com certa preocupação o início da marcação a mercado de maneira indiscriminada para os investidores de todos os perfis de risco.

Segundo Villela, a volatilidade que passará a ser observada diariamente nos títulos de renda fixa pode gerar um desincentivo aos clientes acostumados a carregar os papéis até o vencimento, que não estão habituados, e, em alguns casos, nem sequer sabiam da existência da prática da marcação a mercado.

“Estamos preocupados sobre como o investidor vai perceber essa mudança, e se essa transparência vai ajudar a fomentar a renda fixa por dar uma tranquilidade maior da negociação no secundário, ou se vai prejudicar pela insegurança quanto ao valor desses ativos”, afirma o diretor da Órama. “Tenho brincado que a renda fixa agora virou renda variável.”

Ele afirma que a abrangência da obrigação, impondo a divulgação a todos os investidores, pode ter sido exagerada.

Disponibilizar uma fonte de consulta em relação à atualização diária dos preços dos títulos, que provavelmente seria acessada principalmente por aqueles interessados em vender antecipadamente os títulos, já seria suficiente para trazer mais transparência ao mercado, mas sem impactar aqueles que preferem levar os papéis até o vencimento, diz o executivo.

Villela afirma ainda que a recomendação que tem sido passada aos assessores de investimento nas conversas com os clientes é a de que, respeitando perfil de risco de cada um, se busque por uma redução nos prazos de vencimento nos títulos nas carteiras, uma vez que, quanto mais longa a duração do papel, maior tende a ser a volatilidade por conta dos movimentos no mercado de juros.

“O cenário macro e político não favoreceu a transparência”, afirma, em referência a abertura recente dos juros na esteira do aumento da aversão ao risco do mercado sobre a condução da política econômica em 2023.

“É superimportante que todos os distribuidores estejam preparando seus especialistas, porque, sem dúvida nenhuma, terá questionamento por parte dos investidores a partir de janeiro, quando observarem essa marcação a mercado nos títulos”, afirma Luciane, da Anbima.

Ela defende que a medida é benéfica ao investidor, ao conscientizar o público sobre o fato de que, apesar de se tratar de um título de renda fixa, ele pode, sim, oscilar, de acordo com as condições de mercado e da própria empresa.

O que é a marcação a mercado? A marcação a mercado representa a oscilação diária dos preços dos títulos de renda fixa negociados pelos agentes financeiros, que pode ser influenciada por aspectos relacionados a questões próprias da empresa emissora do papel, conhecido como risco de crédito, ou por causa do cenário macroeconômico de forma geral, conhecido como risco de mercado.

O que muda para o investidor? Até então, os títulos de renda fixa emitidos por empresas seguiam uma regra conhecida no mercado como marcação na curva, em que a volatilidade diária dos papéis não era refletida nos extratos dos investidores, com a indicação somente do valor projetado a ser recebido no vencimento do papel. Com o início da marcação a mercado, o movimento diário de compra e venda, e os impactos para os preços dos ativos, passará a ser informado aos aplicadores.

Quais títulos terão de seguir a regra? Títulos de renda fixa emitidos por empresas, como debêntures, Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) e do Agronegócio (CRA). Títulos de emissão bancária, como CDBs e Letras Financeiras não terão de seguir a exigência. Os títulos públicos negociados no Tesouro Direto já seguem a marcação a mercado desde 2002.

Quantos investidores devem ser afetados? Os dados mais recentes da B3 indicam que, ao final de setembro, havia cerca de 900 mil investidores com debêntures, CRIs e CRAs na carteira, em um volume somado de aproximadamente R$ 200 bilhões.

Quando a nova regra começa a valer? A partir de 2 de janeiro de 2023.

Quem precisa cumprir a regra? Todos os bancos e corretoras do mercado. Entre os grandes bancos, o Itaú já adota desde meados de 2018 a regra da marcação a mercado. Já Bradesco, Santander, Banco do Brasil, BTG Pactual e Caixa passam a implementar a regra a partir de janeiro de 2023.

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