Uma licitação acaba por descortinar os bastidores da administração estadual, que vem tentando transplantar práticas privadas à sua seara pública. Seis meses de um processo licitatório, guindaram a Deloitte Touche Tohmatsu Consultores, uma das quatro gigantes do mercado internacional, à responsável por promover auditoria na folha de pagamento do Governo de Goiás, assim como diagnosticar a eficiência operacional e promover melhorias no sistema RH-NET. Pelo trabalho, a Deloitte apresentou, como estimativa inicial de preço, um orçamento de R$ 12,804 milhões, mas ganhou a concorrência com uma proposta de R$ 10.479.208,00.

O certame contou, em seu inicial sopro de vida, no dia 12 de outubro de 2012, com quatro concorrentes – Politec Tecnologia da Informação S/A, CPM Braxis Outsourcing S/A, Ernst & Young Terco Auditores Independentes S/S e Deloitte. Desta reunião, apenas duas se sagraram habilitadas: Ernst & Young (atua há 106 anos no mercado internacional e há sete no Brasil) e Deloitte (atua há 168 anos no mercado internacional e há 102 no Brasil). A primeira, a estadunidense EY, somou 160 pontos com suas propostas técnicas, enquanto a inglesa atingiu a marca de 310 pontos.

O que salta aos olhos neste cenário é que a vencedora é uma das cinco empresas associada ao Movimento Brasil Competitivo (MBC) que já realiza diagnósticos em duas secretarias estaduais – Meio Ambiente (Semarh) e Segurança Pública e Justiça (SSPJ). Ao todo, seis secretarias goianas estão colonizadas temporariamente por funcionários de empresas de auditoria e consultoria indicadas pelo MBC – Educação (Bain & Co.), Gestão e Planejamento (Instituto Publix), Saúde (Instituto Publix) e Fazenda (Falconi Consultores de Resultado (antigo INDG). A Segplan, coordenadora da concorrência em que a Deloitte foi vencedora, garante não existir nenhum impedimento ético e jurídico na participação da empresa no certame e no processo de diagnóstico.

Coqueluche
O MBC foi fundado pelo empresário Jorge Gerdau, em 2001, e vem fazendo a cabeça de governantes do país. O instituto se transformou num verdadeiro oráculo utilizado por políticos de toda matiz ideológica. Notabilizou-se ao prestar consultoria ao ex-governador de Minas Gerais, o hoje senador tucano Aécio Neves; ganhou um seguidor aplicado na figura do governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB); desde 2011 transfere para a administração federal do PT suas práticas de gestão inspirada na iniciativa privada.

Jorge Gerdau credito - Fabio Pozzebom-ABrCada vez mais entes federados, nos três níveis administrativos, integram o rol de conveniados com o MBC, que indica profissionais ligados a uma das 14 empresas que prestam serviços em parceria com a instituição (conheça a relação abaixo). O resultado é a proliferação de parcerias público-privadas. Em 12 anos de existência, o MBC executou 22 projetos. Atualmente, 16 casos estão em fase de prospecção e outros oito em andamento.

Os custos das consultorias são pagos por empresários e não pela administração pública, por meio de doações, tendo como contrapartida a dedução do valor doado do imposto de renda até o limite de 2% do custo operacional. Antes de iniciar os trabalhos, o MBC convoca empresários e um leiloeiro profissional, encarregado de vender as cotas que cobrirão os custos com os trabalhos, durante o tempo que durar as ações. Os números em Goiás não são revelados. De acordo com a assessora de imprensa do MBC, em Brasília, Camila Fernandes, a orientação do conselho é que nada seja revelado, por se tratar de sigilo empresarial.

Geração de conhecimento
Profissionais da área do Direito Constitucional, consultados pela Rádio 730, discordam, alegando que as informações são do espaço público e estão sob a égide da Lei de Acesso à Informação (LAI). Marcio Pacheco, defensor constitucionalista, garante que o ato de cooperação não transforma o MBC em fiel depositário dos resultados, mas o Estado e, por tanto, as informações estão jurisdicionadas à LAI. “Nesse caso, é tranquilo. Tem que ser informado. Qualquer cidadão pode requerer as informações. O que foi feito e o relatório. Basta solicitar. Isso se chama de informação passiva. Toda a informação é aberta. Caso o governo não queira divulgar, terá que apresentar justificativa.”

Pedro Bittar credito Lailson DamasioPedro Bittar, sócio do Grupo Baltazar de Castro e dirigente do braço regional da instituição de Gerdau, o Movimento Goiás Competitivo (MGC), prefere se esquivar da oportunidade de colocar luz sobre a questão, alegando agenda estafante e desfalques em seu staff de assessores, o que o impediria de se debruçar sobre a tarefa de buscar informações.

Estima-se, considerando os números de outros Estados, que as seis frentes de trabalho em Goiás custem em média R$ 17 milhões ao MBC. Até agosto, quando se completou 15 meses de ações em Goiás, o movimento divulgou que teria obtido avanço de 88% em relação às metas estabelecidas para as seis secretarias. O resultado real só é conhecido por alguns secretários, apoiadores/patrocinadores e o próprio governador. Apesar de se tratar de dados secretárias do Estado, o conteúdo é, estranhamente, considerado  sigiloso.

O presidente do Sindicato dos Gestores Governamentais de Goiás (SindGestores), Eudenízio Batista, não desfaz dos diagnósticos, mas pondera que os gestores públicos goianos estão aptos a realizar trabalhos de alto nível e, ainda, prolongar os efeitos das ações propostas e implementadas pelas empresas contratadas. Exemplo disso é o trabalho Padronização das Políticas Salariais, feito por sete gestores da Secretaria da Fazenda (Sefaz), em setembro de 2009. O dirigente cita também outro estudo sobre os royalties de energia, pelo qual se economizou R$ 100 milhões para o erário estadual. Os ganhos de receita aconteceram a partir do trabalho de um gestor público, que foi premiado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Para Eudénizio Batista, o problema das contratações sazonais é que elas chegam na administração, conhecem a fundo os problemas e depois deixam um relatório para ser implementado, sem que ninguém tenha sido formado para disseminar as informações.
A preocupação de todos os gestores é de que o volume dos dados, ao contrário de se tornarem conhecimento, acabem se perdendo e um novo governo contrate outras empresas para realizar as mesmas ações. “Uma atitude corriqueira entre os governantes. Consideramos um costume oneroso, desgastantes e estimulador do marasmo e do crescente descrença da população em relação aos administradores”, garante o dirigente do SindGestor.

As irmãs gêmeas
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