Há uma década, ao pensar em um trio de arbitragem em uma partida de futebol, era comum imaginar apenas homens nessa cena hipotética. No entanto, nos dias atuais, ao ligarmos a televisão, é possível ver mulheres atuando como primeira ou segunda árbitra, assim como bandeirinhas no esporte.

É uma conquista importante o fato de as mulheres estarem ocupando espaços que antes eram exclusivamente masculinos. Mas, elas ainda enfrentam grandes barreiras para acessar cargos no esporte e para se afirmarem profissional e pessoalmente no ambiente esportivo. O aumento da presença das mulheres em diversos setores esportivos é motivo de comemoração. Apesar disso, é importante ressaltar que ainda há um longo caminho a percorrer.

Renato Francisco Rodrigues Marques, professor de Educação Física da USP, observa que a proporção de mulheres atuando como gestoras, árbitras ou treinadoras não cresce na mesma proporção que o número de mulheres atletas. “Historicamente o esporte foi criado por homens e para homens. A entrada das mulheres sempre foi um ato de resistência”, conta Marques.

As mulheres enfrentam desafios estruturais na sociedade que afetam seu acesso e progressão na carreira esportiva, e essas questões também estão presentes nas organizações esportivas. “Se a mulher decidir ser treinadora, por exemplo, viagens são vistas como mais burocráticas. Cabe a ela o cuidado com a casa, possíveis filhos e o marido”, acrescenta a professora Larissa Rafaella Galatti. Ele é do curso de Ciências do Esporte na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Cursos esportivos

Além disso, para conquistar cargos que são predominantemente ocupados por homens, as mulheres precisam enfrentar uma luta árdua em um ambiente hostil que tende a desvalorizá-las. Mesmo quando possuem qualificações profissionais até superiores às dos homens. “Há uma dificuldade para as mulheres que escolhem seguir essa carreira no esporte. Em geral salários mais baixos, a necessidade de mostrar muito mais formação para estar no mesmo cargo e o ambiente dominado por homens”, destaca Larissa.

Os dados revelam que, desde a inclusão das mulheres em cursos relacionados ao esporte, já há uma diferença significativa em comparação aos homens. De acordo com a professora da Unicamp, no curso em que ela leciona desde 2009, a participação feminina representa cerca de 20%. Enquanto isso, os homens correspondem a 80%. No entanto, em 2023, o número de mulheres aumentou para 40%. Mas, a professora Larissa ressalta que esse pode ser um ano excepcional. Sendo assim, é necessário acompanhar de perto os números para uma análise mais precisa.

“A gente investigou a trajetória de alunos homens e alunas mulheres antes de chegar ao nosso curso. Eles desenharam sua linha do tempo e tentaram identificar experiências prévias ao curso de esporte”, comenta Larissa. A pesquisa revelou que os homens frequentemente relataram experiências positivas em ambientes mais favoráveis. Por outro lado, as mulheres dependiam, em muitos casos, de pessoas que exerceram uma influência positiva, uma vez que o ambiente nem sempre é acolhedor para elas.

A menor representação feminina em cursos relacionados ao esporte pode estar relacionada a um histórico de acesso e oportunidades limitadas durante a infância e juventude. Isso pode refletir em uma menor probabilidade de ocupar cargos de liderança na gestão esportiva, como treinadoras e árbitras, por exemplo.

Números

Além dos números baixos nos cursos esportivos, a tendência de disparidade entre homens e mulheres também se reflete no cenário esportivo. De acordo com Larissa, ao analisar o campeonato Troféu Brasil no atletismo, por exemplo, é possível observar uma quase equidade entre homens e mulheres na categoria adulta, com uma diferença de apenas 4% entre os gêneros. No entanto, quando se trata de treinadoras, as mulheres não chegam nem a 25%, mesmo na categoria de base.

No basquete, a Liga de Basquete Feminino registrou uma proporção de 25% de treinadoras, considerando os dados de 2010 a 2017. Em relação às árbitras, sua participação atinge 21%, enquanto em funções como auxiliares de arbitragem e operadoras de mesa, os números são um pouco mais altos. “Mesmo nesta liga feminina, a prevalência de homens é perceptível e numericamente observada”, completa a professora.

No futebol, o esporte mais tradicional do país, os números também permanecem baixos. Ao analisar o Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino no período de 2013 a 2019, Larissa constatou que apenas 17% das equipes contavam com uma treinadora principal, enquanto 22% tinham uma mulher como auxiliar técnica. Essa realidade reflete o mesmo problema observado no basquete, em que uma competição feminina é majoritariamente liderada por homens em posições esportivas de destaque.

No Campeonato Brasileiro de Futebol Masculino, no mesmo período de 2013 a 2019, os números mostraram uma presença de 39% de árbitros e 59% de assistentes do sexo masculino. “É possível aqui ver uma prevalência de mulheres entre assistentes, mas não na posição de maior liderança, que é de árbitro. É comum que homens que tiveram mais oportunidades de formação do que mulheres, em geral se interessem e venham para este lado do esporte. Por isso, políticas de manutenção são fundamentais, em especial nos esportes e campeonatos femininos”, alerta Larissa.

Equidade de gênero

A fim de transformar a equidade de gênero em uma realidade também nessa área, é fundamental implementar iniciativas e incentivos que promovam a inclusão das mulheres nesses espaços. “O Comitê Olímpico Internacional e o Comitê Olímpico Brasileiro têm iniciado políticas para aumentar os números em cargos de gestão. Já no Canadá, por exemplo, as equipes femininas têm que ter ao menos uma mulher na comissão técnica”, pontua a especialista.

Além dessas ações, promover discussões sobre questões de gênero em todos os âmbitos pode auxiliar na criação de alternativas para desafios antigos, além de destacar e incentivar a participação das mulheres.

“O sucesso de qualquer mulher no campo do esporte possibilita reflexão sobre a legitimidade delas nesse espaço. Quando uma árbitra, treinadora ou gestora, ganha destaque, permite uma reflexão sobre como diminuir resistências para outras mulheres”, pontua Marques, professor da USP.

*Esse conteúdo está alinhado com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU 05 – Igualdade de Gênero

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