Pense em uma escola onde, assim que você entra, se depara com um cenário diferente, inovador. Que tem painéis coloridos, com temas que remetam ao continente africano e à cultura afro-brasileira. Além disso, uma unidade de ensino que possua chás literários que reúnam professores, pais, mães e alunos, com uma literatura rica em escritores negros e que valide a cultura e a genialidade de crianças e jovens das comunidades. 

Desde 2021, com o retorno dos alunos às salas de aula, o professor Moisés Machado vem transformando a realidade da Escola Municipal O’higgins, em Bangu, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Vencedor do Prêmio Nacional Perestroika de criatividade docente, ele dedica todo o seu tempo de trabalho à unidade de ensino. Um objetivo: reduzir a evasão escolar.  

Ouça a entrevista a seguir

“Eu precisava pensar em estratégias nas quais eu pudesse reduzir ou eliminar a evasão escolar. Uma dessas estratégias era pensar em um local em que as crianças se sentissem felizes em estar, que elas viessem para cá, mas não só viessem, mas permanecessem no espaço escolar, porque de nada adianta mobiliário bonito, paredes pintadas, porém sem o sujeito principal da aprendizagem que são as crianças”, problematiza.

A ideia de trabalhar o antirracismo na escola, segundo Machado, é formar nas comunidades estudantes que sejam pessoas críticas e transformadoras de suas realidades. Além disso, que entendam o conceito de cidadania, para que possam contribuir com a sociedade. 

“Como ele contribuirá para o todo sem que ele saiba tratar desses assuntos que estão na sociedade? Inclusive o racismo estrutural está enraizado, estruturado na sociedade, nós já nascemos nesse contexto. Para que possa ser construído o cidadão crítico, transformador, é necessário trabalhar na escola temas urgentes como o antirracismo, o feminismo e tantos outros”, afirma. 

Moisés Machado em entrevista ao Sagres Online (Foto: Sagres Online)

Três elementos

Mas como contar a história do continente africano na escola e como a população preta chegou ao Brasil sem levar em conta o que tradicionalmente consta nos livros? De acordo com o professor Moisés Machado, ele aborda o assunto com os estudantes se baseando em três pontos. 

Desconstrução: “É desconstruir a si próprio e reconhecer que você nasceu em uma sociedade em que o racismo é estrutural. Primeiramente é preciso ter noção disso. Além disso, vários conceitos que o educador tem, com ele enraizados, também precisam ser desconstruídos. Isso leva ao desafio auto-atualização”. 

Atenção às temáticas e ao que ocorre no mundo: “O educador precisa ter uma escuta atenta ao que está acontecendo no mundo. Isso envolve tanto acontecimentos que estão na vivência do aluno na escola como os que também não estão. Por exemplo o que aconteceu com o Vinícius Júnior, foi algo que atingiu o mundo inteiro”. 

Pesquisa: “África é algo que estamos descobrindo a todo momento. Por mais que a gente estude, faça pós, a todo momento estamos descobrindo algo novo. Até Paulo Freire fala sobre isso, que se algo é tido como velho mas se eterniza no tempo, continua sendo novo. Então não podemos ter esse preconceito com algo que seja antigo, que seja histórico”. 

Cultura da favela

Ademais, segundo Moisés Machado, a favela, as comunidades são verdadeiras potências, espaços de genialidades. De acordo com ele, o educador precisa valorizar e validar os conhecimentos que as crianças trazem para a escola, bem como os gostos de cada um em sala de aula. 

“O professor é como um juiz, que valida ou não o conhecimento da criança. Quanto mais você valida o que ela traz para a escola, mais ela vai continuar trazendo para você. Quanto mais você invalida, menos ela trará isso para dentro de sala de aula”, pontua. “Na cultura favelada, há muita genialidade. Estão aí para provar isso Otávio Júnior, Conceição Evaristo, Machado de Assis, Lima Barreto, Carolina Maria de Jesus e tantos outros que vieram da cultura favelada e que, com a sua vivência, demonstraram genialidade e são pessoas altamente gabaritadas”, complementa. 

Desafios

Moisés Machado relata que conta com apoio de toda a comunidade escolar, inclusive das famílias dos alunos em relação às temáticas antirracistas. Nesse sentido, um dos desafios é a desconstrução de mentiras e, portanto, falácias contadas a respeito da escola pública.

“De que na escola pública há maus profissionais, de que as crianças são bestas e alienadas, e tantas outras mentiras que são contadas de propósito. Projetam para que se fortaleça a educação privada e rebaixem a educação pública. É justamente a educação na qual o pobre tem acesso e pode se emancipar. É preciso desconstruir essas mentiras”, pondera.

Em pouco mais de dois anos de trabalho, contudo, o professor Moisés Machado fala com orgulho da transformação que vem realizando, de dentro da escola para vidas em toda a comunidade. 

“A minha ideia era combater e reduzir a evasão escolar, e nós estamos conseguindo isso. Há participação de todos, é sala lotada em praticamente em todas as aulas. São cerca de 35 crianças por turma e fico muito feliz de ver todas elas aqui”, conclui. 

Mais projetos

Conheça outros projetos do professor Moisés Machado como o Movimento Sextou e o Moisésmachadoverso.

*Este conteúdo contempla os Objetivos de Desevolvimento Sustentável (ODS) 04, 05 e 10 da Agenda 2030 da ONU – Educação de qualidade, Igualdade de gênero e Redução das desigualdades, respectivamente.

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