“Pensamos que não, mas uma criança de 5 anos já tem preconceitos”, é assim que a professora Flaviana Machado começa a apresentar os pensamentos que a motivaram na criação do projeto “Eu sou diferente”. Desde janeiro deste ano, a iniciativa é vivenciada por crianças de cinco anos, do 2° ano da Educação Infantil, em Silvânia (GO).

Na edição do Prêmio Educador Transformador, Flaviana concorreu na categoria “Educação Infantil”, ao lado de indicados vindos de todas as regiões do país. A ideia que nasceu para debater diferenças, agora levava a professora a conhecer toda a pluralidade de vozes e influências em meio a capital paulista, cidade onde ocorre a premiação.

Propósito

Os olhos curiosos de crianças com cinco anos captam muitas coisas, mas desconhecem ainda mais. Nessa faixa etária, fase de formação de opiniões, ao lado da percepção do mundo que os rodeia, a professora encontrou espaço para debater assuntos urgentes, como o racismo e o respeito às diferenças.

Para ela, não era cedo para começar a ensinar sobre o respeito. A pressa para trazer o assunto para dentro da sala de aula surgiu com uma situação que nasceu ali mesmo, na escola. Ela conta que a maioria dos temas que inspiram projetos surgem assim, a partir da observação de seus alunos.

“Uma criança de 5 anos, desde o primeiro dia de aula, se negava a pegar na mão de dois colegas negros da sala. Ela não sentava próxima a eles nas rodinhas e, quando eu perguntava o motivo, a criança falava que eles eram feios”, relembra Flaviana.

Depois de perceber o comportamento, a professora apresentou para a direção a ideia de trabalhar com o tema do respeito às diferenças de forma específica. Ela explica que sabia estar diante de um desafio, um tema que muitas vezes é classificado como sensível no mundo dos adultos. No entanto, era uma missão fundamental, nascia ali o Eu sou Diferente.

“Eu precisava atrair a atenção desses estudantes, ou seja, potencializá-los para trabalhar esse tema”, ressalta a professora de escola privada em Silviânia.

Diversidade

No contexto da Educação Infantil, dinâmicas costumam aparecer com frequência. Manter a atenção dos alunos é um desafio, e nesse sentido, a criatividade é vista como uma aliada. “No primeiro dia de aula, comecei com uma dinâmica. Havia uma caixa colorida e um espelho no fundo, para ser algo significativo”, detalha.

Rodas de conversa também fazem parte da rotina do projeto (Foto: Arquivo Pessoal)

A caixa passava de mão em mão. Os braços pequeninos das crianças do 2° ano iam passando para o lado os objetos e uma pergunta: “Vocês são todos iguais?”, era a indagação que Flaviana repetia. O reconhecimento seria o primeiro passo.

Bonecos eram instrumentos para demonstrar diversidade (Foto: Arquivo Pessoal)

A professora explica que nos dias iniciais de atividades, alguns comentários ainda eram persistentes. Ela ouvia que “alguns alunos eram mais feios”, por exemplo. Depois, após um momento de reflexão, veio uma nova ideia.

“Pensei que eu iria trabalhar com bonecos. Fiz a encomenda de 30, montamos um painel em sala de aula, e cada um deles tinha uma diferença”, explica.

“Passei um vídeo para chamar a atenção dos estudantes. Nele, as crianças ouviram que não existe um único lápis “cor de pele”. Depois, fiz uma roda de conversa sobre o assunto. Então, eu apresentei o primeiro boneco”, relembra.

Impactos

Dudu foi o premiado para ser o primeiro “batizado” oficialmente pelas crianças. O boneco era negro, e depois, ganhou outros companheiros feitos de feltro. Além disso, depois dos bonecos, mais atividades apareciam na rotina dos alunos.

“Quando eles iam para o parquinho, eu os estimulava a ir em duplas e que deveriam observar as diferenças entre os colegas”, completa. Segundo a professora, o projeto foi abrindo espaço para novas percepções. Músicas, rodas e conversas eram fomentadas e aos poucos, os efeitos eram mais evidentes.

“Hoje, eu falo que é gratificante”, afirma orgulhosa. Segundo ela, a própria estudante se aproximou e a agradeceu pelo projeto. Flaviana conta que a criança que antes havia demonstrado atitudes preconceituosas, já apresentava mudanças em seu comportamento.

Certo dia, uma outra criança chegou animada, aproximando-se da professora, após ter se lembrado do projeto enquanto caminhava na rua. “Um aluno me disse ter visto uma mulher cadeirante e que lembrou da Maria, uma das bonecas do projeto”, diz.

Maria faz parte da coleção dos bonecos dos alunos do 2° ano (Foto: Arquivo Pessoal)

“Em tudo eles lembram do projeto. A aprendizagem foi muito significativa. Mudou muito a convivência entre eles e o próprio autoconhecimento”, comemora.

Segundo a pedagoga, o projeto “rendeu” tantas atividades e desdobramentos que a sua duração foi prolongada. Além disso, conta que a iniciativa foi bem acolhida inclusive pelos outros colegas da instituição.

Premiação

Os professores de Goiás indicados ao Prêmio Educador Transformador voaram para São Paulo em maio, para participar do evento de premiação. “Em um domingo, quando entraram em contato comigo, eu não acreditei. Meu Deus, isso é sério e está acontecendo mesmo?”, diz ao relembrar do momento em que soube que estava entre os finalistas.

“Essa experiência fez diferença na minha vida. Vivendo em uma cidade de 20 mil habitantes, isso parece tão distante da nossa realidade. Mas, não. A minha experiência foi incrível e mostra que temos condições de mostrar o que fazemos e aproveitar oportunidades”, afirma a professora.

O projeto termina em junho, mas Flaviana já começa a planejar as ideias para os próximos. Para tomar decisões, ela considera que ouvir os que os alunos compartilham costuma ser sempre um bom ponto de partida.

“O que os alunos aprendem não fica apenas com eles, mas vão além dos muros da escola, e eles levam inclusive para as suas famílias”, defende.

*Esse texto está alinhado com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 6, 7 , 11, 12 e 13, propostos pela Organização das Nações Unidas (ONU).

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