A inserção de pessoas pretas no ambiente da inovação e o desafio da inteligência artificial (IA) no combate ao racismo e aos crimes cibernéticos foram temas de uma das conferências neste segundo dia da Campus Party Goiás, em Goiânia.

Jhonatan Xavier, que é palestrante, historiador e afroinfuenciador quilombola, abordou os temas no Palco Comunidade “Join Comunnity”. Segundo ele, um dos desafios da inserção de pessoas pretas no ambiente de inovação está justamente na origem do espaço tecnológico.  

“Quando se fala em inteligência artificial, sempre se coloca a IA em um patamar acima da inteligência humana, como se fossem as próprias máquinas que pensassem. As máquinas pensam e conseguem sim manter um padrão, mas o padrão que elas mantêm é o padrão da sociedade dominante. Quando a gente fala em sociedade dominante, ou seja, as pessoas que alimentaram a inteligência artificial, essas pessoas são descendentes daquelas que nos mataram, que escravizaram nosso povo”, afirma.

De acordo com Jhonathan Xavier, algoritmos, responsáveis por processar grandes volumes de informações em tempo recorde, como o das redes sociais, por exemplo, não entregam conteúdos de pessoas pretas. Nesse sentido, conforme o historiador, essa tecnologia não foi programada por quem representa essas pessoas. 

“São pessoas que não conhecem a nossa realidade, não conhecem a nossa tradição e, por isso, não querem valorizá-la. Ainda reconhecem e querem colocar as pessoas pretas em um ambiente de servidão”, avalia.

Representatividade

Thielle Santos e Franklin Bonfim trabalham diariamente com tecnologia e inteligência artificial (Foto: Johann Germano)

Imersos em ambientes de inovação e tecnologia, Thielle Santos e Franklin Bonfim assistiram à palestra de e se identificaram profundamente com o tema. Ela é gerente de Projetos do Governo de Goiás.

“Precisamos realmente expor essa necessidade de sermos representados”, afirma Thielle, que também dirige projetos sociais voltados a essa causa. “Não consigo encontrar banco de imagens de pessoas pretas trabalhando com tecnologia, que é o trabalho que eu faço. Às vezes preciso de uma imagem voltada para uma população e quero colocar um diretor com pele negra, escura, e não encontro no banco de imagens. As pessoas alimentam a tecnologia com pessoas brancas”, relata.

Franklin é chefe adjunto da Seção de Proteção de Dados do Sesc-Senac. Ele observa diariamente a maioria absoluta de pessoas de pele branca na tecnologia, fato presenciado, primeiramente, durante a sua formação.

“Na minha época, quando fiz engenharia de computação, eram cerca de 40 alunos e só duas pessoas pretas. Por que não há a contratação de mais pessoas pretas? Porque na formação, na base, não há essa quantidade. É necessário mais investimento para capacitar essas pessoas para que elas possam almejar essas vagas”, analisa Franklin.

Mudança

Para Jhonatan Xavier, no entanto, a mudança dessa realidade não ocorrerá rapidamente. Para o historiador, ela precisa acontecer em todas as organizações, sejam públicas ou privadas.

“Sei que essa mudança não é do dia para a noite. Acredito que, em menos de dez anos a gente já consiga ter alguma mudança. No entanto, infelizmente, nas grandes empresas de tecnologia não temos nenhum CEO preto que realmente represente essa comunidade e essas pessoas”, afirma Jhonatan.

Podcast 5P

No próximo dia 19 de junho, Jhonatan Xavier lança o podcast “5P: Paz e Poder Para o Povo Preto”. A primeira entrevista será com Iêda Leal. O objetivo, contudo, segundo o afroinfluencer, é recontar a história da população preta no Brasil.

“A história que a gente tem hoje nas escolas é a história dos portugueses que nos colonizaram. Então eles contam a versão deles. A gente quer contar a versão da história do povo preto. Queremos empoderar essas crianças e esses jovens e mostrar que eles não são descendentes de escravos, mas são descendentes de reis e rainhas. Com esse empoderamento, elas podem conquistar qualquer lugar da sociedade”, conclui.

*Este conteúdo contempla os Objetivos de Desevolvimento Sustentável (ODS) 09 e 10 da Agenda 2030 da ONU – Indústria, Inovação e Infraestrutura e Redução das desigualdades, respectivamente.

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