O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) encerra 2020 como começou o mandato em 2019: com uma coleção de frases polêmicas. Durante a pandemia de Covid-19, o chefe do Executivo Nacional manteve a postura de tratar a doença como “uma gripezinha”, e disse que a melhor vacina é o próprio vírus.

Março

Durante um discurso em Miami, nos Estados Unidos, Bolsonaro disse que o poder do novo coronavírus não é tão destruidor quanto parece. À época, o Sars-Cov-2 já se espalhava pela Europa e fazia 25 casos confirmados no Brasil, país que até então não havia registrado nenhuma morte. “Tem a questão do coronavírus também que, no meu entender, está superdimensionado, o poder destruidor desse vírus”, afirmou.

Na volta do compromisso oficial, quase toda a comitiva do presideste testaria positivo para a Covid-19. Em cerca de 48 horas, o Brasil já somava mais de 50 casos confirmados, enquanto Bolsonaro insistia em minimizar a pandemia. “Eu não sou médico, não sou infectologista. O que eu ouvi até o momento [é que] outras gripes mataram mais do que esta”.

Bolsonaro disse à época que não seria necessário aplicar o distanciamento social e tampouco o fechamento do comércio para conter a pandemia no país. “Se a economia afundar, afunda o Brasil. E qual o interesse dessas lideranças políticas? Se acabar a economia, acaba qualquer governo. Acaba o meu governo. É uma luta de poder”.

O presidente chegou a dizer que o Brasil não superaria 800 mortes por H1N1, em uma entrevista à TV Record. A previsão de Bolsonaro cairia por terra 20 dias depois.

“Não podemos nos comparar com a Itália. (…) Esse clima não pode vir para cá porque causa certa agonia e um estado de preocupação enorme. Uma pessoa estressada perde imunidade”, garantiu, no dia 22 daquele mês.

Em um anúncio de medidas contra a Covid-19, evento que ficou marcado pela dificuldade de Bolsonaro em manter a máscara no rosto, o presidente disse que “Depois da facada, não vai ser uma gripezinha que vai me derrubar, tá ok?”

Bolsonaro tem resultado positivo em teste para covid-19
Foto: Agência Brasil

No dia 24, uma das frases mais marcantes de Bolsonaro foi dita em um discurso em rede nacional. “Pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria acometido, quando muito, de uma gripezinha ou resfriadinho, como bem disse aquele conhecido médico, daquela conhecida televisão”, disse. “Pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar. Nada sentiria. Seria, quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho, como bem disse aquele conhecido médico daquela conhecida televisão.”

Dois dias depois, mais polêmica. Bolsonaro, que disse não ser médico, começou a formular teorias sobre a contaminação do novo coronavírus no Brasil.

“O brasileiro tem que ser estudado. Ele não pega nada. Você vê o cara pulando em esgoto […] e não acontece nada com ele. Eu acho até que muita gente já foi infectada no Brasil, há poucas semanas ou meses, e ele já tem anticorpos que ajudam a não proliferar isso daí”.

“Alguns vão morrer? Vão, ué, lamento. É a vida. Você não pode parar uma fábrica de automóveis porque há mortes nas estradas todos os anos”, disse no dia 27.

Neste mesmo mês, o governador Ronaldo Caiado (DEM), um dos maiores apoiadores de Bolsonaro desde a campanha em 2018, anunciou o rompimento com o presidente, por não compartir com a postura dele em relação à pandemia. A reconciliação só ocorreria em junho, durante inauguração do Hospital de Campanha de Águas Lindas.

Abril

Ao seu modo, no mês seguinte, o presidente pela primeira vez dava sinais de que reconhecia o poder do novo coronavírus. “Sou católico, e minha esposa, evangélica. É um pedido dessas pessoas. Estou pedindo um dia de jejum para quem tem fé. Então, a gente vai, brevemente, com os pastores, padres e religiosos, anunciar. Pedir um dia de jejum para todo o povo brasileiro, em nome, obviamente, de que o Brasil fique livre desse mal o mais rápido possível”, afirmou no dia 2 de abril.

Um dia antes, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a lei que criava o auxílio emergencial. O benefício foi aprovado pelo Congresso e consistiu, nos primeiros meses, no pagamento de R$ 600 mensais para trabalhadores informais e pessoas de baixa renda. O “coronavoucher”, como ficou conhecido entre os parlamentares, teve o objetivo de mitigar os impactos da crise causada pela pandemia do novo coronavírus. Em setembro, o governo anunciaria a prorrogação do benefício por mais quatro meses, mas com parcelas mensais de R$ 300.

O então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, deixou o cargo no dia 16. Ele foi substituído por Nelson Teich, que pediria para sair 29 dias depois de tomar posse. Ele sofria pressão para mudar o protocolo do uso da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19

No dia 20, quando questionado por jornalistas pelo alto número de mortes, 116 em um único dia, o presidente disse que não era coveiro e que nada podia fazer.

Jair, que é Messias, mas não faz milagres, não esperaria o mês acabar para soltar outra de suas frases marcantes. “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?”, perguntou. “Lamento a situação que nós atravessamos com o vírus. Nos solidarizamos com as famílias que perderam seus entes queridos, que a grande parte eram pessoas idosas. Mas é a vida. Amanhã vou eu”, concluiu.

Maio

No mês seguinte, o presidente iniciaria sua campanha em defesa do uso da cloroquina, sem qualquer comprovação científica, para o combate à Covid-19. “Toma quem quiser, quem não quiser, não toma. Quem é de direita toma cloroquina. Quem é de esquerda toma Tubaína.”

Também em maio, o ministro Celso de Mello, então decano do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou a divulgação da íntegra da reunião ministerial do dia 22 de abril. Segundo o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, o vídeo seria uma das provas de que o presidente Jair Bolsonaro tentou interferir politicamente na Polícia Federal.

Alguns trechos da filmagem geraram crises dentro do governo, como a passagem na qual Abraham Weintraub, à época ministro da Educação, disse que, se dependesse dele, mandaria para a cadeia os “vagabundos” do STF. Na reunião, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sugeriu aproveitar a pandemia para deixar “a boiada” passar e aprovar mudanças enquanto a atenção da mídia era voltada para a Covid-19.

Junho

No mesmo mês da prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro e amigo pessoal do presidente, Bolsonaro voltava a fazer as pazes com o governador Ronaldo Caiado, na inauguração do Hospital de Campanha de Águas Lindas (HCamp). “Sempre fomos amigos e morreremos amigos”.

Julho

Depois de testar positivo para a Covid-19, Bolsonaro disse que o vírus era como uma chuva. “Muita gente tem morrido em casa, não vai ao hospital porque tem medo de pegar o vírus. O pânico também mata. O que eu posso falar para todo mundo, eu já dizia no passado e era criticado, esse vírus é como uma chuva, vai atingir você”, quando o Brasil já ultrapassa 66,7 mil mortes pela Covid-19.

Agosto

Bolsonaro atinge a melhor aprovação desde início do governo. Pesquisa divulgada no dia 13 pelo Instituto Datafolha mostrou 37% dos brasileiros consideram a gestão ótima ou boa, ante 32% da pesquisa divulgada ainda em junho.

Neste mesmo mês, o presidente fez ataques à Rede Globo. “Muitos gestores e profissionais de saúde fizeram de tudo pelas vidas do próximo, diferentemente daquela grande rede de TV que só espalhou o pânico na população e a discórdia entre os Poderes. No mais, essa mesma rede de TV desdenhou, debochou e desestimulou o uso da hidroxicloroquina, que, mesmo não tendo ainda comprovação científica, salvou a minha vida e, como relatos, a de milhares de brasileiros.”

No dia 29, Bolsonaro cumpriu agenda em Caldas Novas para inauguração de um complexo gerador de energia solar. Foi a 13ª visita do presidente a Goiás desde que tomou posse.

Bolsonaro em Caldas Novas (Foto: Marcos Corrêa/PR)

Setembro

O então interino desde 15 de maio general Eduardo Pazuello foi efetivado à frente do Ministério da Saúde. Ele foi escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro após o pedido de demissão do oncologista Nelson Teich.

No dia 7 de Setembro, Bolsonaro e a primeira-dama Michelle Bolsonaro provocaram aglomeração ao cumprimentar e fazer fotos com apoiadores na grade do Palácio da Alvorada. Até 800 pessoas tiveram autorização para assistir à cerimônia da Independência, segundo a Secretaria de Comunicação.

Sem máscara, Bolsonaro cumprimentou apoiadores e chegou a segurar crianças no colo para tirar fotos.

O presidente Jair Bolsonaro participa de cerimônia comemorativa do 7 de  Setembro, no Palácio da Alvorada. | Agência Brasil
Chegada de Bolsonaro para comemorações de Sete de Setembro (Foto: Marcelo Camargo/ABr)

Outubro

No dia 1º de outubro, o presidente Jair Bolsonaro anunciou a indicação do desembargador federal do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), Kássio Nunes Marques, para a vaga do ministro Celso de Mello no Supremo Tribunal Federal (STF).

Nunes Marques não constava na lista dos mais cotados para o posto, mas tinha a chancela de caciques do Centrão, como o senador Ciro Nogueira (PP-PI) e de partidos de esquerda.

Outubro também ficou marcado pelo veto de Bolsonaro à vacina chinesa Coronavac contra o coronavírus. O presidente disse que a população brasileira “não será cobaia de ninguém”.

“Para o meu Governo, qualquer vacina, antes de ser disponibilizada à população, deverá ser COMPROVADA CIENTIFICAMENTE PELO MINISTÉRIO DA SAÚDE e CERTIFICADA PELA ANVISA”, escreveu nas redes sociais.

A declaração surpreendeu o secretário estadual de Saúde de Goiás, Ismael Alexandrino, que falou sobre o assunto à Sagres 730.

Em reunião com governadores e secretários de Saúde, o Ministério da Saúde definiu a compra de 46 milhões de doses da Coronavac, o que faria o país chegar a um total de 188 milhões de doses de imunizantes contra a Covid-19 já adquiridos.

Novembro

No penúltimo mês do ano, o presidente utilizou uma frase homofóbica para criticar as medidas de isolamento social. “Tem que acabar com esse negócio. Lamento os mortos, todos nós vamos morrer um dia. Não adianta fugir disso, fugir da realidade, tem que deixar de ser um país de maricas.”

Dezembro

Depois de passar 2020 minimizando o vírus, o presidente decidiu criticar as vacinas contra a Covid-19. “Eu não posso falar como cidadão uma coisa e como presidente outra. Mas como eu nunca fugi da verdade, eu te digo: eu não vou tomar vacina. E ponto final. Se alguém acha que a minha vida está em risco, o problema é meu. E ponto final.”

No dia 16 de dezembro, o Ministério da Saúde anunciou o Plano Nacional de Vacinação contra a Covid-19, com Bolsonaro como protagonista crítico das vacinas. O tema foi destaque no Debate na Sagres 730.

“Na Pfizer, está bem claro no contrato: ‘nós não nos responsabilizamos por qualquer efeito colateral’. Se você virar um jacaré, é problema de você. Não vou falar outro bicho aqui para não falar besteira. Se você virar o super-homem, se nascer barba em alguma mulher aí ou um homem começar a falar fino, eles não têm nada a ver com isso.”

Não satisfeito, poucos dias depois, disse que a pandemia estava chegando ao fim. “A pandemia realmente está chegando ao fim. Os números têm mostrado isso aí. Estamos com uma pequena ascensão agora, o que se chama de pequeno repique; pode acontecer. Mas a pressa para a vacina não se justifica, porque você mexe com a vida das pessoas.”

Por fim, Bolsonaro encerrou o ano com críticas à ex-presidente Dilma Rousseff, ironizando a tortura sofrida pela petista durante a Ditadura Militar.

“Dizem que a Dilma foi torturada e fraturaram a mandíbula dela. Traz o raio-X para a gente ver o calo ósseo. Olha que eu não sou médico, mas até hoje estou aguardando o raio-X”, disse o presidente, entre gargalhadas.

Em nota-resposta, Dilma disse que “o ocupante do Palácio do Planalto se comporta como um fascista”.