Desde o início da pandemia, as salas de aula ficaram vazias e a rotina escolar se transformou. As aulas passaram a ser de frente para a tela de um computador e com atividades 100% remotas, muitos professores precisaram se reinventar e experimentar novas ferramentas para dar continuidade ao ensino dos seus alunos.

Leia mais: Publicada lei que garante R$ 3,5 bi para internet de aluno e professor

No Centro de Ensino em Período Integral (Cepi) Dom Veloso, em Itumbiara, no interior de Goiás, o professor de história, Marcos Miguel de Souza, criou um núcleo de produção de conteúdos midiáticos para incentivar o aprendizado dos estudantes e o material produzido por eles é postado no Youtube.  

(Foto: Divulgação/Seduc)

“Os conteúdos dos livros são transformados em peças de vídeo. O aluno faz a pesquisa, escreve o roteiro, organiza os assuntos e depois vai para frente da câmera. Eu ensino a usar o microfone e todos os equipamentos. Temos dois objetivos: primeiro conhecer mais as tecnologias dentro de uma perspectiva mais profissional, para entregar um produto de maior qualidade e paralelo a isso a aquisição do conteúdo. Então toda parte tecnológica serve como suporte para a aplicação do conteúdo”, explica.

Assista um vídeo produzido pelos alunos do Cepi Dom Veloso:

 

Nayara Soares (Foto: Sagres On)

No 8º ano do ensino fundamental, Nayara Soares, de 13 anos,  diz que as aulas de Marcos são um diferencial no ensino à distância. “Fazer essas atividades está sendo legal, elas me ajudam muito. As aulas do Marcos são muito boas, aprendemos muito mais porque a tecnologia que ele usa ajuda muito”, ressalta. 

O educador destaca que é preciso se reinventar para não cansar os alunos. “Às vezes o professor de história é meio prolixo e eu tenho aula germinada, ou seja, duas aulas de 50 minutos, já imaginou falar esse tempo todo sem parar? Ainda mais assim, de frente para a tela. É preciso ter bom senso. Eu orientei meus amigos no início da quarentena. Falei que se eles fossem dar aula online precisavam seccionar essa aula para não falar 40 minutos sem pararNinguém aguenta, o celular esquenta, as costas começam a doer, as pernas começam a doer e fica muito chato”. 

Além de utilizar a produção de vídeo como metodologia de ensino, Marcos usa seu lado produtor musical para iniciar suas aulas de uma forma bem diferente. O professor começa todas as aulas tocando guitarra ou violão, sempre escolhendo um estilo musical que faça referência ao conteúdo que será apresentado no dia. 

Professor Marcos Miguel de Souza (Foto: Sagres On)
Leonardo Henrique Soares Nunes (Foto: Sagres On)

O estudante do 8º ano, Leonardo Henrique Soares Nunes, de 14 anos, destaca que todo o corpo docente do colégio tem se esforçado para conseguir levar a sala de aula para dentro da casa dos alunos.

“As aulas do professor Marcos são muito divertidas, ele sempre começa tocando música, é muito interessante. Não só as aulas dele, de todos os professores, todos eles estão se empenhando muito para nos ensinar”, frisa. 

Tecnologia 

Marcos conta que no colégio Dom Veloso as aulas presenciais ficaram suspensas por apenas 15 dias e logo depois o ensino remoto foi implantado. “No início foi muito complexo porque ninguém sabia muito bem o caminho a seguir. Não existia nenhum tipo de protocolo para esse tipo de circunstância”, afirma. 

Para despertar o interesse dos alunos, o educador tem usado uma variação metodológica. Além dos vídeos produzidos pelos alunos, Marcos também faz vídeo aulas e disponibiliza no youtube. 

(Imagem: Plataforma Seneca/Reprodução)

Outras ferramentas digitais também são utilizadas pelo Colégio Dom Veloso. Uma delas é a Seneca, que é uma plataforma da Universidade de Oxford, desenvolvida com linguagem de neurociência, onde os algoritmos são organizados para interpretar as dificuldades dos alunos e encontrar caminhos cognitivos para que eles aprendam o conteúdo. 

Dificuldades 

O desafio de buscar novas ferramentas digitais passa por algumas dificuldades. Muitos estudantes não têm acesso à internet e às vezes dividem computadores e aparelhos celulares com outras pessoas. O Cepi Dom Veloso atende alunos da zona urbana e rural de Itumbiara e alguns estudantes não têm acesso a internet. 

Para conseguir levar o conteúdo para cerca de 450 estudantes, o colégio desenvolveu dois planejamentos de aula, um para alunos online e outro para alunos offline. Os jovens do ensino fundamental e médio que não tem internet, recebem em casa todo o material didático. As atividades são impressas na escola e entregues pela rede municipal de transporte escolar. 

O professor Marcos revela que outro fato que têm dificultado o aprendizado dos alunos são as dificuldades financeiras pelas quais muitas famílias têm passado.   

“Apareceu um print de um aluno assistindo aula no celular, em que vimos que o telhado dele estava aberto. Demos um zoom na foto e o que tinha de telhado estava furado e o menino estudando em uma mesa de madeira toda carcomida. Então é uma situação de penúria radical. A gente tem uma visão de gestão pedagógica da educação, mas eu acho que é uma gestão social, acredito que o problema da educação brasileira ainda é social”, declara. 

O educador ressalta que muitas vezes uma aula bem produzida não é o suficiente para prender a atenção dos alunos. 

“Eu observo a dispersão, porque o aluno pode estar com fome. Isso é o básico, com fome não vai! Já tentou assistir uma aula com fome? é o fim do mundo. Ou o aluno pode estar pensando que o pai agrediu a mãe, ou está pensando que o pai foi demitido, ou está pensando que a mãe estava bêbada quando saiu de casa, entende? São situações muito complexas. A questão social é muito grave”, afirma. 

Para o educador, ter um olhar mais humano é fundamental na relação entre alunos e professores. “Muitas vezes você vai para a sala de aula e quer que o aluno tenha um alto desempenho intelectual, quando na verdade você tem que ter um olhar humano. Muitas vezes essa criança está precisando de um abraço, de uma palavra de conforto, de afeto, de positividade e você chega e fala 100 minutos sem parar. Sem perceber que têm um ser humano na sua frente”, salienta.     

Retomada das aulas presenciais

Em Goiás, os servidores da Educação estão sendo imunizados e a previsão é de que toda a classe docente receba a segunda dose até o final de julho. Sendo assim, o governo estadual projeta a retomada das aulas presenciais no mês de agosto. De acordo com os dados da Secretaria Estadual de Educação, são 38.686 servidores atuantes na rede de ensino do estado, sendo 26.508 professores.

No entanto, o retorno às salas de aula será híbrido, ou seja, uma combinação de aulas presenciais no formato tradicional com o aprendizado online em um ambiente virtual. Apesar de todas dificuldades enfrentadas, Marcos é otimista e acredita que a pandemia trouxe muitos ensinamentos. 

“Eu sou o tipo de pessoa que vê o copo meio cheio, não vejo o copo meio vazio. Então eu penso assim, vou fazer desse limão uma limonada. Se eu ganhei esse tempo, vou aproveitá-lo. Quando a pandemia acabar, voltarei para escola como um profissional mais qualificado. Então não vou ficar chorando, reclamando, vou aprender e voltar melhor. Acho que tem que ser esse o pensamento, quem tem mais dificuldade, levanta e enfrenta, essa é a minha visão. Tem sido difícil? Tem. Mas aos poucos estamos conseguindo”.