O Sagres Em Tom Maior #303 apresenta nesta terça-feira (6/7) o primeiro episódio da série ‘Tenha Voz’, que tem o objetivo de sensibilizar, esclarecer e auxiliar no combate violência de gênero. No episódio de hoje a psicóloga da Defensoria Pública do Estado de Goiás, Patrícia Fleury Cardim, detalhou quais são os aspectos socioculturais que envolvem a violência doméstica e o que a caracteriza.

Confira a íntegra da entrevista:

“A primeira coisa que precisamos definir ao se falar de violência doméstica é a questão do gênero. Porque nem toda violência contra mulher é violência doméstica e familiar, e vai se encaixar na Lei Maria da Penha. Então o gênero é definido como um conjunto de seres e objetos que possuem a mesma origem ou são ligados de alguma forma por particularidades. Então ele se refere a tudo que a sociedade entende como papel daquele que gênero, com a relação ao sexo biológico também. A violência contra mulher só é considerada e acatada pela Lei Maria da Penha, quando ela tem essa definição de acontecer em razão do gênero”, explicou.

A psicóloga ressalta que fatores históricos e culturais que explicam a origem da violência doméstica. “É em decorrência da cultura mesmo, na nossa estrutura social. Acontece em decorrência do pensamento machista principalmente, que é enraizado na nossa cultura. Existe esse sentimento do homem se ver como o dono da mulher, dela ser sua propriedade e de que ele realmente vai mandar e estabelecer se a relação termina ou continua. Geralmente é esse motivo que identificamos como causa da violência doméstica”, afirma.

Atendimentos durante a pandemia

Segundo o fórum brasileiro de segurança pública, uma em cada quatro mulheres acima de 16 anos afirma ter sofrido algum tipo de violência no último ano no Brasil, durante a pandemia de Covid-19. Com o isolamento social, o trabalho da Defensora Pública do Estado de Goiás passou a ser realizado de maneira remota. Dessa forma, as mulheres vítimas de violência estão sendo a por telefone ou WhatsApp.

Patrícia destaca que com o isolamento social, o número de atendimentos cresceu consideravelmente. “O que percebemos foi um aumento significativo na demanda. Hoje atendemos uma média de 300 mulheres por mês. Dentro desses atendimentos temos pessoas que estão relatando uma violência sofrida, também temos mulheres relatando o descumprimento de medidas protetivas e até pedindo a revogação das medidas”, esclarece.

A Defensoria Pública trabalha com orientação jurídica, mas também presta suporte e apoio para essas mulheres. “Explicamos todo o procedimento processual e quais são os tipos de violência. Porque muitas vezes elas chegam falando sem saber se o que sofreram é caracterizado como violência. E damos o suporte que todas precisam, que é realmente acolher essas mulheres. Elas precisam ser acolhidas”, ressalta.

O atendimento remoto tem seus desafios. Para psicóloga o atendimento por telefone não é tão humanizado. Apesar das dificuldades, Patrícia garante que a Defensoria Pública tem trabalhado para acolher essas mulheres de maneira completa. “Temos uma equipe de quatro mulheres atendendo e tentamos atender da melhor forma possível, mesmo por telefone e WhatsApp”.

Ciclo da violência

A psicóloga Patrícia Fleury Cardim explica que a violência contra as mulheres tem três fases. Segundo ela, uma psicóloga norte-americana criou o termo ‘ciclo da violência’, neste ciclo a vítima passa por três etapas, a primeira é o aumento da tensão, a segunda é o ataque violento e a terceira é a calmaria ou lua de mel.

“Na fase de tensão temos ofensas verbais, na fase de ataque ofensas físicas e na fase da lua de mel, é aquele momento que o agressor pede perdão, diz que quer voltar e que o sonho dele é ter essa família feliz. Então a primeira coisa é entender o ciclo dessas três fases. Outra coisa importante de entendermos são os tipos de violência, temos as violência, psicológica, moral, física e sexual”, detalha.

“A violência psicológica é onde geralmente se inicia o ciclo, que é a fase da tensão com as ofensas verbais. Nessa fase o homem começa a tirar dessa mulher a sua rede de proteção, família e amigos. Coloca ela com a autoestima lá embaixo, depreciando ela de todas as formas com falas violentas. Por esse motivo essa mulher acredita e passa a acreditar na grande maioria das vezes que a única saída para ela é realmente se manter naquele relacionamento”, alerta.

Patrícia frisa que muitas mulheres têm medo e tem vergonha pedir ajuda e muitas vezes elas são financeiramente dependentes dos parceiros, o que as impede de buscarem ajuda. Nesse sentido, é preciso mostrar com terapia, psicólogos e rede de apoio que essa mulher vai conseguir sair desse relacionamento.

Outro ponto destacado pela profissional é a importância de não responsabilizar a vítima pela violência sofrida. Patrícia afirma que isso mudou a pouco tempo e a mídia tem tratado o assunto de maneira diferente sem colocar a mulher como culpada. Para ela, a mídia tem um papel fundamental em ajudar a educar as pessoas e explicar que a mulher não é responsável pela violência doméstica. Por fim, a psicóloga deixou um recado para todas as mulheres que estejam, passando por uma forma de violência.

“Quero dizer para todas as mulheres que estão passando por isso ou para todos aqueles que sabem de alguém que está vivenciando um relacionamento abusivo, procurem a Defensoria Pública, procurem o Núcleo Especializado de Defesa e Promoção dos Direitos da Mulher (Nudem), procurem psicólogos que possam ajudar e familiares de vocês. A rede de apoio é fundamental. Estamos aqui, estamos do lado de vocês para atender e ajudar no que for possível. Então, busquem ajuda! É possível sair desse relacionamento e ter uma vida saudável fora disso e estamos aqui por vocês”, finalizou.

Ouça a entrevista em áudio: