Amor transcendental como forma de libertação de si e doação

Platão, Aristóteles, Jesus, Nietzsche. O amor foi definido de várias formas por esses grandes pensadores. Uns vinculam a ideia no sentido da vida, no próximo, na alegria. Outros colocam a essência da palavra no desejo. O fato é que, independente da definição, o amor é o combustível de ação do ser humano.

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Assista à reportagem a seguir

Nessa reportagem, que faz parte da série da Sagres ‘Forma do Bem’, nós vamos te explicar e mostrar um amor transcendental, que vai além de olhar para si, que enfrenta desafios, que vive o presente e até um luto.

O escritor e Jornalista Lauro Henriques Junior, autor da trilogia “Palavras do Poder” define amor transcendental como consciência em ação. “A partir do momento que eu estou agindo de forma consciente eu estou agindo de forma amorosa”, explica.

Ele separa em três dimensões o amor transcendental:

– Amar a si mesmo – Na concepção de Lauro, esse amor não é conectado ao narcisismo, mas sim direcionado a aceitação. “ Isso está muito conectado ao autoconhecimento. É um processo de aceitação de si mesmo. Se a pessoa não ama nem a si, como ela pode amar o outro?!”.

– Amor a dois – Aqui, não se fala apenas em relação entre casais, mas entre pai e filho, amigos. “É uma relação de afeto. E é um dos principais focos do amor transcendental porque a gente transcende o amor de si mesmo para se doar para o outro. É a preocupação além de mim. É o olhar para o outro”.

– Amor por tudo que cerca – Nessa dimensão, Lauro explora o amor pela natureza, pelos seres vivos. “Aqui, eu começo a entender que essa vida aqui é uma doação para algo maior. Amar o que nos cerca é cuidar da nossa casa. Sem esse amor, é impossível que alguém ame a si mesmo ou outra pessoa”.

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NA PRÁTICA

A história que vamos contar aqui se encaixa no que Lauro tipifica como amor na segunda dimensão.

Foto: Arquivo pessoal

A professora Kátia Oliveira viveu um amor intenso e transcendental. Ela conheceu Eliel de Castro quando os dois ainda eram crianças. Brincavam juntos. Na adolescência, Eliel recebeu o diagnóstico de Distrofia Muscular Congênita relacionada com Laminopatia. É uma doença degenerativa, sem cura e que precisa de diagnóstico precoce e correto para que intervenções terapêuticas possam ser oferecidas aos pacientes. Há uma estimativa de que mais de 105 mil pessoas tenham alguma distrofia muscular no Brasil.

“Nessa época, eu já sentia algo por ele, mas o Eliel havia decidido que não teria namoradas por causa da doença. Eu aceitei e seguimos a vida”, conta Kátia. Eles chegaram a trabalhar na mesma empresa, mas depois se distanciaram. Só que a vida sempre deu um jeito de coloca-los juntos de novo.

“Quando tinha 30 anos, ele reapareceu. Saímos algumas vezes, fomos ao cinema até que um dia eu perguntei o que ele queria de mim. Ele respondeu que queria namorar comigo, mas não se sentia digno de ter alguém. Mas eu nunca conheci alguém tão digno na minha vida. E assim, começamos a namorar”.

Foto: Arquivo pessoal

Kátia foi muito criticada por amigos e familiares, principalmente pela mãe que foi dura ao saber do namoro. “Você não vai ser esposa, nem solteira, nem casada. Você vai ser viúva. E eu falei para ela: ‘que seja um dia, mas que seja bom’”, relatou Kátia.

Kátia e Eliel se casaram dois anos depois. “Casamos em 2005. Minha mãe não foi no meu casamento. Muita gente não acreditava na nossa união, mas eu resolvi que o amor era maior. Deus colocou um amor pelo Eliel no meu coração que era inexplicável”.

A projeção de vida que os médicos davam ao Eliel era de 30 anos. Antes disso, segundo os especialistas, ele ficaria acamado e dependente. Eliel já havia perdido a mãe e o irmão pra mesma doença e isso fazia o Eliel acreditar nesses prognósticos. “Eu dizia: nem sempre a história se repete”, conta Kátia.

Eliel passou dos 30 anos. “Ele passou a fase do medo e eu ganhei o melhor presente da minha vida. Onde estava um, estava o outro”.

Depois de 8 anos de casados, Eliel começou a apresentar cansaços constantes. Em 2013 ele passou por um processo cirúrgico. Em 2014, ele foi internado 12 vezes. “A gente passou mais tempo no hospital do que em casa”, relembra Kátia.

Essa luta continuou, mas agora para a Kátia também. Em 2015, ela recebeu um diagnóstico de câncer de mama. “O Eliel estava muito debilitado, muito fraquinho e ele ficou muito triste com essa história. E eu dizia que Deus não dá nada que a gente não possa suportar. A gente teve que se separar porque precisei passar por todo o processo para retirada do câncer, enquanto o Eliel estava no hospital. Sofremos muito”.

Foto: Arquivo pessoal

Muitos amigos ajudaram o casal nas lutas pela vida. Kátia, que ainda estava em tratamento decidiu que ficaria ao lado de Eliel, seja em hospital ou em casa. Em um determinado momento, a médica dela começou a ligar. “Fui até o consultório e quando cheguei lá a médica disse que tinha um laudo que dizia que eu não tinha câncer. Eu acreditava em duas possibilidades: erro humano e milagre. Eu fiquei com milagre. E quando contei ao Eliel, ele se transformou. Foi outro ânimo pra ele”, relembra a professora.

Mesmo diante da notícia feliz pra família, os médicos disseram que Eliel não estava respondendo mais aos medicamentos. Ele apresentava melhoras em vários momentos e era liberado pra ir pra casa.

No dia 29 de novembro de 2015, Eliel morreu em casa. “Ele não gritou. Ele só me chamou de ‘amor’ e caiu. Fiz os primeiros socorros, chamei o Samu, mas o Eliel já tinha ido. E ele foi dizendo ‘amor’”.

Foram 11 anos de casamento, de lutas e vitórias. Mesmo com um diagnóstico e com tantas críticas, Kátia transcendeu o entendimento de quem estava ao redor e ouviu a voz do coração. “Era um amor inexplicável. Nenhum momento eu tive dúvidas. Que fosse um dia, mas que fosse bom, e Deus me deu 11 anos. Mas eu queria mais 11 e mais 11 e mais 11”.

Kátia define amor como decisão, disposição.

Foto: Arquivo pessoal

O escritor e jornalista Lauro, que classificou nessa reportagem três dimensões do amor, reforça que Kátia teve a oportunidade de escolher outra vida, mas optou pelo amor. “Nem eu, nem você é eterno. A morte é um mistério. Amor é escolha”, conclui.