Norberto Salomão
Norberto Salomão
Norberto Salomão é Advogado, Historiador, Professor de História, Analista de Geopolítica e Política Internacional, Mestre em Ciências da Religião e Especialista em Mídia e Educação.

Como entender as razões da guerra

Ao longo dos séculos as guerras tem marcado a história da humanidade. Esse tema é tão recorrente e fascinante que, não bastassem as guerras reais, as sociedades e seus mitos fundantes ou de origem estão de alguma forma ligadas a algum conflito. Nesse sentido, destaco as histórias de Caim e Abel, Rômulo e Remo, Marte e Minerva…

As guerras mais conhecidas estão ligadas à cultura ocidental. Assim, buscando referência na Antiguidade, três guerras se destacaram:

– Entre 490 e 479 antes de Cristo, ocorreram as Guerras Médicas, travadas entre gregos e persas. A origem desse conflito encontra-se no expansionismo militar e territorial dos persas, sob o comando do rei Dário I, que colocou em risco a autonomia das cidades-estado gregas. A resistência dos gregos obrigou ao recuo dos persas em 479 antes de Cristo.

– Uma guerra famosa entre gregos, ocorreu após as Guerras Médicas. Entre 431 e 404 antes de Cristo, a tentativa de Atenas em exercer seu domínio sobre toda a Grécia levou ao conflito com outras cidades lideradas por Esparta. Essa foi a Guerra do Peloponeso. Esparta foi vitoriosa, mas buscou, também, dominar as outras cidades. A Grécia afundou em constantes guerras internas, que levaram a sua ruína e abriram espaço para o domínio de um povo estrangeiro, que vivia ao norte da Grécia, os macedônios de Alexandre “o grande”.

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 Antes de destacar o terceiro conflito, quero fazer um aparte que entendo ser interessante. A história lendária romana é marcada por guerras descritas na obra Eneida, do poeta romano Virgílio.  A obra descreve as origens da cidade romana com os irmãos gêmeos Rômulo e Remo, filhos do deus Marte, deus da guerra, com a mortal Reia Silvia.  Após a fundação de Roma, os irmãos entraram em disputa e Rômulo matou Remo, tornando-se o primeiro rei de Roma, segundo a tradição lendária.

– Mas, lendas à parte, o terceiro confronto da Antiguidade, que destaco, são as Guerras Púnicas entre 264 e 146 antes de Cristo. Essas guerras ocorreram em três etapas e envolveram Roma versus Cartago, que disputavam a hegemonia do comércio no mar Mediterrâneo. Roma foi vitoriosa e, a partir de então, passou a dominar toda a orla do mar mediterrâneo estruturando as bases do Império Romano.

 Bem, o fato é que ao longo dos séculos muitas outras guerras ocorreram pelos mais variados motivos, mas sempre com cada uma das partes garantindo ter a justa razão para lutarem até a morte pela causa em que estavam envolvidos.

Atualmente, o conflito que envolve a Rússia e a Ucrânia também apresentam elementos que transitam entre o mito e a realidade. Assim, as mais variadas versões, com suas narrativas, vão tomando conta dos nossos dias e de nossas mentes. Acontece que em um mundo globalizado observa-se uma banalização das informações, praticamente instantâneas, que facilitam a disseminação fake news e desinformações. Em meio a essa guerra de versões a opinião pública busca um culpado e constrói perspectivas sobre o lado bom e mau da questão.

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Há aqueles que se apegam ao velho discurso contra os EUA, inclusive fazendo listas das invasões e atrocidades cometidas pelo tio Sam. Acontece que as ações violentas que uma nação possa ter realizado no passado, não pode e não deve servir de justificativa para que outra nação faça o mesmo.

Outros já consideram que Vladimir Putin, presidente da Rússia, é um louco ambicioso, comparado a Hitler, e que deseja um banho de sangue na Ucrânia.

Há ainda aqueles que chegam a culpar o presidente da Ucrânia, Volodymyr  Zelensky, pela guerra. Entendem que ele não tem competência para ser presidente porque era comediante ou mesmo porque quis se aproximar da OTAN e da União Europeia.

Todas essas apressadas conclusões se baseiam principalmente no chamado “viés de confirmação”, ou seja, o indivíduo desconsidera, distorce ou simplesmente ataca qualquer ideia que não apoie suas convicções, assim só considera como verdadeiras as informações que apoiem suas crenças.

Em minha perspectiva, acredito que o aspecto fundamental para o entendimento de questões complexas como as que tem se apresentado na atualidade, dependem de uma reflexão mais crítica e realista. As paixões ou perspectivas maniqueístas, que buscam polarizar o mundo entre o bem e o mal, não permitem uma compreensão mais clara dos fatos.

Mas, como é possível, em meio a tantas informações e desinformações, desenvolver e aplicar um pensamento crítico?

Bem, o pensamento crítico é aquele que busca dar voz a mais de uma versão, comentário ou experiência. Dessa forma o pensador crítico é vigilante para não se deixar levar pelas aparências, pelas primeiras impressões e, mais que tudo, pelo senso comum.

Mais especificamente, no caso da guerra da Ucrânia, que está em evidência, sim, em evidência, pois é bom lembrar que temos pelo menos outros 28 conflitos em andamento, somos tomados por um “tsunami” de trágicas imagens que estimulam nossa indignação. Ocorre que esse tipo de sentimento, que tem sua razão de ser, nubla a perspectiva crítica sobre as causas e os variados interesses que envolvem esses atores internacionais.

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A guerra e suas vítimas, principalmente crianças, nos provocam comoção. Não há guerra bonita. Guerras são marcadas por violência, crueldade e injustiças. Porém, esses eventos avaliados de forma impulsiva e emotiva, não permitem uma análise crítica, favorecem sim as versões maniqueístas e, posteriormente, a prevalência da versão do vencedor.

Aí, a pergunta que invariavelmente é feita quando apontamos esses argumentos é: “Então ninguém tem razão, ninguém tem culpa, ninguém está errado?

Pois é, a resposta crítica é a de que em um conflito, seja doméstico familiar ou de política internacional, há vários lados, cada um desses lados tem suas razões, seus motivos, cada um desses lados acredita que está certo. É necessário compreender que a observação dessas variáveis permitirá uma visão mais ampla da questão. Mesmo que se tome algum partido, abre-se sempre o espaço para a crítica reflexiva e para uma conclusão mais apurada dos fatos.

*Norberto Salomão é Advogado, Historiador, Mestre em Ciências da Religião, especialista em Mídia e Educação, Professor de História e Especialista em Geopolítica.

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