Há cerca de um ano e meio, o pai da atriz e artista cênica goiana Izabela Nascente, Carlos Alberto Nascente, de 87 anos, sofre com o Mal de Alzheimer. Ela conta que não foi fácil ver o pai sentir as complicações da doença, a principal delas, a perda de memória. Mas a música transcendeu a dificuldade e deu nova vida ao aposentado.

Especialistas contam que a música, aliada a um tratamento médico e multiprofissional, promove benefícios, ajuda no tratamento e traz um novo sentido para a vida dos pacientes.

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Izabela conta que, por causa do momento delicado causado pela doença, ela tem aproveitado para passar mais tempo com o pai. “A gente conversa muito, ele tem uma mente muito fértil. Então ele inventa muitas histórias, a gente acaba se divertindo muito com isso. Realmente seria importante que a pessoa tivesse uma ajuda terapêutica e a família também para compreender, porque a doença não atinge somente a pessoa, mas as pessoas que estão em volta também. Mas a gente vai tratando com muito carinho, respeitando essas novas demandas, levando a vida e tentando retardar esses efeitos ao máximo”, afirma.

O Mal de Alzheimer é uma doença degenerativa do cérebro, que provoca perda gradual da memória, além de outras alterações como prejuízos no comportamento, desorientação e dificuldades na comunicação, por exemplo. O carinho da filha e da família do Carlos Alberto se somaram a outro fator: a música.

Amante de MPB (Música Popular Brasileira) e de sertanejo raiz, foi com as melodias favoritas que o aposentado tem conseguido recuperar parte da memória afetada. “Ele é muito eclético, sempre foi. Lembro dele ouvindo música. Música sempre foi uma coisa muito presente em casa. Ele tinha um toca-discos e ficava ouvindo suas músicas lá, então faz grande diferença na vida dele”, conta.

Izabela Nascente em entrevista à Sagres (Foto: Sagres TV)

Sarau

Um momento transformador na vida do Carlos Alberto aconteceu no Hospital Estadual Alberto Rassi (HGG). Internado para tratar do Alzheimer, ele participou do Sarau do HGG. A diretora de Enfermagem da unidade Natalie Alves falou sobre a importância do projeto que leva música a quem busca recuperação da saúde e da vida.

“É um projeto de humanização que nos traz bastante orgulho e inúmeros benefícios para os pacientes que estão internados e para os profissionais que trabalham na área da saúde, principalmente nesse momento de pandemia onde os níveis de ansiedade, as incidências de estresse e depressão aumentaram consideravelmente”, pontua.

Um dos principais benefícios do Sarau, de acordo com a diretoria, é o resgate de momentos positivos da vida por meio da música, como lembranças da casa e da família. “Existem inúmeros estudos que comprovam a redução da incidência de depressão com música de até 25%, ajuda a relaxar o paciente, reduz a ansiedade. Então a música aliada a um tratamento médico e multiprofissional, traz benefícios, ajuda no tratamento e traz um novo sentido para a vida das pessoas”, completa Natalie.

Novo sentido para a vida que o Carlos Alberto, pai da Izabela, encontrou. “O que era um momento tenso se transformou em uma coisa leve. Ele ainda deu uma voltinha, ele estava só em cima da cama. Então o ato de descer para assistir, para ver os outros internos, ver as pessoas se divertindo foi transformador. É isso que a arte faz, por isso ela é tão necessária sempre. Ela vai trabalhando e modificando. Pequenas modificações que fazem grande diferença na vida do ser humano”, relata a artista.

Izabela (centro) ao lado da mãe e do pai, Carlos Alberto (Foto: Arquivo pessoal)

A ciência já comprovou que a música ativa o sistema límbico do cérebro, região responsável pelas emoções e afetividade. Por isso, ouvir uma melodia pode ajudar a resgatar memórias de quem sofre de várias doenças e até de Alzheimer, como é o caso do Carlos Alberto.

De acordo com um estudo conduzido por neurocientistas do Instituto Max Planck de Neurociência e Cognição Humana em Leipzig, na Alemanha, uma das causas desse efeito reside no fato de que a música fica armazenada em uma parte do cérebro distinta das demais memórias, o lobo temporal.

A musicoterapia, por exemplo, pode melhorar o humor e a qualidade de vida de pacientes e, consequentemente, o processo de reabilitação. De acordo com um estudo Music interventions for improving psychological and physical outcomes in cancer patients, do inglês “Intervenções musicais para melhorar os resultados psicológicos e físicos em pacientes com câncer”, realizado pela Universidade de Drexel, nos Estados Unidos, a técnica pode ajudar na melhora do quadro clínico, bem como na diminuição do número de medicamentos tomados e no tempo das internações.

Curso

Na Universidade Federal de Goiás (UFG), o curso de Musicoterapia existe há 22 anos. O profissional dessa área aplica nos pacientes a chamada musicalidade clínica, que é saber utilizar a música para o tratamento de doenças e traumas.

A professora Tereza Raquel Alcântara Silva, da UFG (Foto: Sagres TV)

Uma técnica muito utilizada pelos musicoterapeutas é a reminiscência, como explica a professora do curso de graduação em Musicoterapia da Escola de Música e Artes Cênicas da UFG, Tereza Raquel Alcântara Silva.

“Você pode usar a música que fazia parte do repertório dessa pessoa anteriormente para estimular áreas cerebrais, ativar memória. Ativando a memória passada, ele pode melhorar essa memória dia a dia, trabalhar mais vocabulário, trabalhar o aspecto da cognição tanto de ampliar vocabulário como construção de frases. Tudo vai depender da fase em que o paciente se encontra”, afirma.

A professora explica que nem só de música é feita a musicoterapia. Na maioria dos casos, é a partir de sons como o simples rufar de um tambor que pode fazer com que um paciente recupere os movimentos após um acidente grave, por exemplo.

“O que eu quero de resposta não é que o paciente aprenda a cantar ou que toque algum instrumento, mas que a melhora do movimento possa ajudar esse indivíduo a fazer atividades da vida diária. Por exemplo, escovar os dentes. Isso aumenta o nível de independência. Ninguém quer ser dependente do outro, e quando você consegue ampliar esse nível de independência, o indivíduo fica muito mais satisfeito”, afirma.

Amor Cantado

No projeto de acolhimento musical “Amor Cantado”, o engenheiro e cantor voluntário Hercílio Ramos Júnior trabalha com a música para promover a paz e alívio para pacientes em hospitais de várias regiões de Goiás. Assista à entrevista na íntegra a seguir

“A musicalidade é tão importante na evolução que se eu pegar as três formas de comunicação mais básicas que existem, que seriam a palavra, a tonificação da voz e os movimentos, a palavra só significa 7% da comunicação; 35% aproximadamente está na tonalidade da voz, e os outros 58% estão no visual e nos movimentos, nos processos de sinergia. Veja o quanto é importante o som na nossa vida, desde hinos como nas torcidas, até os apaixonados que escutam música dentro do carro para namorar. Todo este cenário está baseado por música, porque ele faz parte da nossa comunicação e nós somos seres comunicáveis que vivemos em sociedade”, argumenta.

Por meio da música, o projeto Amor Cantado vem para frear ações de pensamentos negativos, os quais os pacientes enfrentam a todo instante como morte e suicídio, baixa autoestima, falta de esperança, isolamento e perda de prazer.

“A música entra direto e pula as barreiras sociais que eles colocam e que a palavra, sozinha, não alcançaria, porque a música é composta de ritmo, de melodia e da palavra. De tudo isso, se eu pudesse tirar o que é mais forte é a sua própria melodia, que fala com a alma e de forma universal”, destaca Hercílio.

Durante a pandemia, a música ganhou um novo significado, ajudando pacientes da Covid-19 a se recuperar da doença, seja com dança, com o canto ou mesmo com a apreciação, como foi o caso do Carlos Alberto, pai da Izabela, que a gente mostrou no início dessa reportagem.

Mais que uma superação, a música mostra que ela é capaz de fazer as pessoas alcançarem um novo sentido para a vida, a transcender, ir além dos limites.

“A música transcende um pouco a matéria. Quando ela transcende a matéria, ela penetra no nosso cérebro alterando frequências cerebrais que fazem estabilizar esses momentos de tensão”, conclui Hercílio.