No primeiro dia de internação após descobrir uma leucemia, Marina Aguiar ganhou da avó um caderninho escrito “diário de uma vida”. Os registros que a médica hematologista fez desde 2006 neste caderno se tornaram a base para o livro biográfico Menina dos olhos – como Marina enfrentou a morte e abraçou a vida, lançado em maio de 2022. O livro conta a história de vida da médica, hematologista e especialista em transplante de medula óssea que conhece a dor dos seus pacientes.

Marina recebeu o diagnóstico de leucemia aguda agressiva aos 18 anos, quando já estava com 96% das células do seu sangue comprometidas com células da leucemia. Durante as quimioterapias a médica enfrentou a morte diversas vezes e esse é o motivo para o nome do livro. 

“Eu realmente tive que enfrentar a morte e nisso de enfrentar a morte eu abracei a vida e tentei de todos os jeitos renascer, eu falo que realmente foi um renascimento e mudei a minha vida totalmente. Eu falo que a doença me transformou porque a partir dela eu mudei a minha profissão, mudei todos os meus sonhos e os meus projetos”.

Tratamento

Marina começou as quimioterapias e ao final do ciclo de oito procedimentos não apresentou resposta ao tratamento. Ela permaneceu com a doença ativa e, portanto, recebeu o encaminhamento para o transplante de medula óssea. A opção de tratamento é indicada para pessoas que não respondem ao tratamento com quimioterápicos.

No entanto, não houve compatibilidade entre Marina e Caio, até então o seu único irmão. A família então procurou um doador compatível no Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea (REDOME), um banco de dados do Ministério da Saúde, mas também não encontrou alguém compatível.

“A chance de encontrar um doador compatível de medula óssea entre pessoas que não são parentes é de 1 em 100 mil, então a gente fala que é ganhar na mega-sena”, contou. Mesmo com uma campanha enorme e com forte engajamento em Goiânia, Marina não encontrou um doador compatível para o transplante. A mãe de Marina tinha 39 anos e tinha passado por uma laqueadura e não conseguia mais uma gravidez de maneira normal. Assim, a família buscou a fertilização in vitro.

Milagres

Através de fertilização in vitro, Fernando e Keila, pais de Marina, tiveram dois filhos gêmeos. Mas os bebês nasceram prematuros com 28 semanas de gestação e não eram compatíveis com Marina. “Eu falo que eles foram outros dois milagres”, disse Marina. “A vida foi colocando dificuldades em nosso caminho, mas Deus foi nos abençoando com vários milagres nesse processo”, declarou.

Pedro e Davi nasceram em estado grave, ficaram 45 dias na UTI neonatal e saíram sem nenhuma sequela. “O único problema é que eles não foram compatíveis comigo”, lembrou Marina.

A saga da médica assim continuou no tratamento. “Pela medicina, uma leucemia agressiva e que não responde bem à quimioterapia e não tem a opção do transplante de medula óssea é realmente uma leucemia paliativa, é uma leucemia que você não tem o que fazer. Então eu era uma paciente que os médicos não tinham um prognóstico de vida, era uma questão de tempo da leucemia voltar, aumentar e eu ir a óbito. Essa era a perspectiva”, contou.

Cura

Marina não aceitou o prognóstico dos médicos e iniciou outros protocolos de quimioterapia conhecidos como procedimentos paliativos. A médica explicou que essas quimioterapias não são protocolos que todos os organismos  aguentam. “A maioria das pessoas tomam quimioterapia e morrem pelos sintomas de toxicidade da quimio, e eu estava ciente deste risco. Eu tentei abraçar a vida, eu não queria desisitir”, lembrou.

O novo protocolo de quimio durou dois anos com dias difíceis de enfrentar os sintomas. Marina disse que passou por toxicidade renal, início de pancreatite e vários outros sintomas por causa da quimioterapia. “A gente fala agora pensando que foi lindo e maravilhoso, eu estou aqui agora super bem, mas na época não foi, foi muito difícil e eu fiquei muito tempo internada.

Após dois anos, os médicos de Marina decidiram parar as quimioterapias com a remissão, porque se continuassem com os medicamentos poderiam prejudicar e acarretar muitos danos ao corpo da médica. Marina realizou um exame que apontou que as células estavam zeradas, mas ela continuou o acompanhamento para monitorar o risco da leucemia voltar.

“Então eu parei as quimioterapias com essa remissão, mas ainda com aquele medo da leucemia voltar. E foi nessa época que eu decidi comemorar a data do meu renascimento e que a cada ano que passasse eu ia comemorar pelo ano de vida que Deus tinha me dado. O dia 1° de abril de 2007, que foi o dia que eu saí do hospital”.

Propósito de vida

A partir desse momento da vida, Marina transformou a dor em que passava no seu propósito de vida. Quando descobriu a doença aos 18 anos, a médica havia acabado de passar para um curso de Odontologia. Mas decidiu fazer Medicina ainda no meio do tratamento com as quimioterapias e sem saber se ainda estava curada ou não. “Os meus dois primeiros anos de Medicina foram os meus dois anos a mais de quimioterapia”, disse.

Marina graduou-se em Medicina em 2012 e em seguida começou a especialização em hematologia. “Eu entrei pra Medicina já querendo a hematologia, já com a cabeça de que eu ia ser hematologista e ajudar pacientes na mesma condição que eu estava”, destacou.

No seu portal pessoal Marina afirma que “tratar de forma empática e humana é minha missão, pois já estive do outro lado e sei bem a dor do meu paciente.” A médica atualmente cuida de pacientes no Hospital do Câncer Araújo Jorge, em Goiânia. Ao completar 10 anos da remissão, Marina pôde finalmente celebrar a sua cura.

“Eu comecei a fazer a residência de hematologia exatamente quando eu completei 10 anos em remissão, e com os 10 anos em remissão eu posso falar que estou curada, porque a chance da leucemia voltar é muito pequena, é igual a de uma pessoa que nunca teve leucemia”, disse. “Eu pude falar pela medicina que estava curada e foi daí que eu fiz hematologia e no que eu terminei, eu fiz a especialização em transplante de medula óssea e hoje eu coordeno o transplante de medula óssea do Hospital do Câncer de Goiás e o serviço de hematologia”, contou.

Livro

Livro de Marina Aguiar (Imagem:dramarinaguiar.com.br)

A ideia do livro começou no diário que a avó de Marina levou para a neta no primeiro dia de internação. A médica usava o caderninho para desabafos e ele tornou-se a base do livro Menina dos olhos – como Marina enfrentou a morte e abraçou a vida, escrito em quatro anos pelas jornalistas especialistas em biografias Dalvina Nogueira e Honória Dietz. 

“Eu lancei em maio do ano passado e o livro graças a Deus tem ajudado muitas pessoas a renovar as esperanças, ter forças e não desistir”, celebrou. 

“Eu acho que o meu testemunho é muito forte, essa história não aconteceu por acaso. Deus faz as coisas certas, na hora certa então veio a cura e o livro foi essa forma de eu deixar esse legado, de eu abençoar outras vidas através dessa história”, finalizou.

Inspiração: Marina Aguiar venceu a leucemia, se tornou médica e ajuda quem luta contra o câncer

Leia mais: