A proporção de estudantes que ingressaram em cursos de graduação na área de Computação e Tecnologia da Informação (TI) cresceu 85% entre 2015 e 2021. Os números do Censo da Educação Superior refletem as mudanças no mercado de trabalho determinadas pelo avanço dessas tecnologias na sociedade.

A demanda global por profissionais dessa área, que já vinha crescendo, foi alavancada em 2020 com a pandemia de Covid-19, que criou um marco na dependência de empresas e pessoas da vida virtual.

Mais buscados

Em 2023, os quatro cursos do Instituto de Informática da Universidade Federal de Goiás (INF/UFG) ficaram entre os 10 mais concorridos no Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Entre estudantes de escola pública, o curso mais buscado foi o de Engenharia de Software, ficando atrás apenas de Medicina.

Em terceiro lugar aparece o curso de Inteligência Artificial, seguido por Sistemas de Informação e Ciência da Computação.

As mudanças são tão recentes, que o curso de Inteligência Artificial da UFG, que é o primeiro a ser ofertado por uma universidade pública no Brasil, foi criado há apenas três anos e já disputa com Medicina o posto de mais concorrido da universidade.

A lista de empregos em alta em 2022 no Linkedin, maior rede social profissional, reitera a grande demanda para a área de tecnologia no Brasil e no mundo.

Na lista de cargos com oferta em alta aparecem: Recrutador(a) especializado(a) em tecnologia; Engenheiro(a) de confiabilidade de sites; Engenheiro(a) de dados;

Especialista em cibersegurança; Representante de desenvolvimento de negócios; Gestor(a) de tráfego; Engenheiro(a) de machine learning; Pesquisador(a) em experiência do usuário; Cientista de dados; e Analista de desenvolvimento de sistemas.

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Aumento de demanda

A segurança de dados é uma das áreas que têm experimentado maior crescimento. O vice-diretor do INF/UFG, Iwens Sene, avalia que a demanda por profissionais desse campo deve se prolongar pelos próximos anos.

“Todo mundo tem um dispositivo, um celular, que está registrando uma foto, mandando uma mensagem, e tudo isso são dados que estão sendo produzidos. A tendência é ter cada vez mais dados. O compartilhamento desses dados, para diversos outros dispositivos, faz com que se torne cada vez mais necessária a segurança e proteção desses dados.”

Segurança

Sancionada em 2018, a Lei Geral de Proteção de Dados, conhecida como LGPD, regula as atividades de tratamento de dados pessoais e prevê multas de até R$ 50 milhões em caso de violação dessas informações.

“O mercado brasileiro e mundial ainda está muito carente desses profissionais de segurança, porque é uma área que exige muito estudo. Não que seja uma área difícil, mas que exige muito estudo”, explica Plínio Marcos, professor de cibersegurança da Faculdade Senai/Fatesg.

A professora Janice Lopes, diretora adjunta de Acompanhamento e Desenvolvimento da Docência da UFG, explica que é parte da função da instituição se adaptar às novas dinâmicas do mercado de trabalho.

“A universidade é parte da sociedade. Então ela precisa, em alguma medida, estar sintonizada e dialogando com as demandas que essa própria sociedade nos apresenta. Os cursos que a universidade oferece são cursos que reverberam a necessidade que a gente percebe no campo profissional”, explica Janice, que é professora do Instituto de Matemática e Estatística (IME/UFG).

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Concorrência para cursos da área de tecnologia aumentou nos últimos anos e já compete com Medicina (Foto: Lucas Xavier/Sagres)

Desafios

O último Censo da Educação Superior, que é desenvolvido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), mostra que, em 2015, a taxa de alunos que ingressaram em graduações da área de Computação e TI era de 6,9 estudantes para cada 100 mil habitantes. Essa proporção saltou nos anos seguintes, chegando a 12,9 em 2021.

Já a proporção de estudantes que conseguiram concluir esses cursos registrou um aumento de 18%. A taxa de conclusão subiu de 2,2, em 2015, para 2,6, em 2021, número bem inferior ao aumento de alunos que começaram a graduação.

Outras três áreas aparecem com as maiores proporções de ingresso na graduação, sendo elas: Educação; Negócios, Administração e Direito; Engenharia, Produção e Construção.

Superando obstáculos

O vice-diretor do Instituto de Informática da Universidade Federal de Goiás (UFG), Iwens Sene, considera que um dos principais desafios é garantir a permanência dos estudantes. Para ele, a forte demanda por profissionais da área de tecnologia no mercado de trabalho é um dos obstáculos para a conclusão.

“O desafio, que não é de hoje, é a gente conseguir formar os alunos que entram. Hoje os alunos entram, eles começam a ter proposta para trabalhar. Quando a gente é jovem, a gente vai ficando empolgado com emprego, com salário, a vontade é de sair e desbravar o mundo. A nossa dificuldade é fazer com que terminem o curso”, avalia Iwens, que também é pesquisador da área de sistemas distribuídos.

Políticas

A professora do Instituto de Matemática e Estatística (IME), Janice Lopes, que também é diretora adjunta de Acompanhamento e Desenvolvimento da Docência, explica que a UFG tem políticas específicas de auxílio a estudantes que não possuem condições socioeconômicas de se manterem por conta própria na graduação.

“No campo da tecnologia, a gente precisa perceber que muitas vezes esse estudante não é o estudante que tem condições. Metade das vagas de todos os cursos são garantidas para estudantes de escola pública, pelo recurso das cotas. Esses estudantes nem sempre têm a estrutura em casa, mas têm interesse e têm essa vontade de buscar sua formação nesta área do conhecimento. Nesse sentido, a universidade tem vários programas de assistência estudantil, seja no subsídio para alimentação, para moradia, bolsas de iniciação científica para que o estudante consiga se manter estudando e participando de pesquisas, avançando na sua formação”, explica a professora.

Inteligência Artificial

A UFG é a primeira universidade pública brasileira a ofertar um curso de graduação em Inteligência Artificial, criado em 2020 pelo Instituto de Informática.

O INF também abriga o Centro de Excelência em Inteligência Artificial (Ceia), que possui contratos de pesquisa, desenvolvimento e inovação com 45 empresas privadas, sendo três estrangeiras, além de quatro órgãos públicos. Segundo a UFG, o Ceia tem 380 pesquisadores e recebeu R$ 60 milhões em investimentos em projetos de inovação.

“Nossos cursos já demandavam a parte de IA (Inteligência Artificial). A nossa pós-graduação está cada vez mais precisando de alunos preparados em IA para fazer um mestrado, doutorado específico dessa área. É um curso novo, que chegou numa hora certa, tem dado muito certo, acho que tem muito espaço, muito mercado por muito tempo”, avalia Iwens Sene.

Inteligência Artificial é uma das áreas que mais cresce no ramo da tecnologia (Foto: Lucas Xavier/Sagres)

Ameaça?

No último dia 22 de março, o bilionário dono da Tesla e do Twitter, Elon Musk, juntamente com o cofundador da Apple, Steve Wozniak, e mais de 2.600 líderes do setor de tecnologia, publicaram uma carta aberta em que pedem a suspensão imediata do desenvolvimento da inteligência artificial no mundo para evitar um iminente risco à humanidade.

O documento faz uma convocatória para que as empresas do ramo pausem o treinamento de sistemas mais poderosos que o GPT-4. A ferramenta lançada em março deste ano, é capaz de sistematizar imagens e textos para formular diálogos tal qual a mente humana.

Na carta, os representantes das empresas de tecnologia afirmam que o GPT-4 cria uma “corrida fora de controle para desenvolver e implementar mentes digitais cada vez mais poderosas que ninguém, nem mesmo seus criadores, pode entender, prever ou controlar com segurança”.

Pesquisa

O documento foi publicado pela Future of Life Institute, instituição de pesquisa dos Estados Unidos. Para o professor Iwens Sene, a inteligência artificial está longe de superar o ser humano.

“Para chegar ao ponto da máquina dominar a humanidade, ainda vai levar muito tempo. Tudo que é novo causa impacto, mexe com todo mundo. Temos fatos do próprio Chat GPT que nada mais é que um Google melhorado, ele traz as informações quando a gente busca. Ainda tem muita coisa que só o ser humano dá conta de fazer, a flexibilidade, o jogo de cintura”, argumenta.

Novos rumos

Para o analista de sistemas e professor da Faculdade Senai/Fatesg, Edjalma Queiroz da Silva, os rumos que o desenvolvimento dessas tecnologias vão tomar depende da maneira como elas serão administradas.

Você pega esse volume de dados e transforma isso em algum tipo de informação, como você vai usar isso é que vai determinar se aquilo está indo pro bem ou pro mal. Se você utilizar o chat GPT para descobrir coisas que não seria o ético ou o correto, você vai obter a resposta porque é uma máquina que foi treinada no modelo de IA para responder esse tipo de pergunta. Se você utiliza ele para uma situação benéfica, ou de exploração e evolução, ele vai te dar essa resposta. Tudo depende.”

Professor de Análise e Desenvolvimento de Sistemas, Edjalma Queiroz, avalia que maneira como a tecnologia é administrada definirá impactos na sociedade (Foto: Lucas Xavier/Sagres)

Conhecido como “Padrinho da Inteligência Artificial”, Geoffrey Hinton deixou o Google após mais de dez anos na empresa. Na última segunda-feira (1º), Hinton afirmou que se arrepende do desenvolvimento da tecnologia e alertou que a corrida agressiva das grandes companhias para desenvolver IAs está se tornando algo perigoso. “É difícil ver como impedir maus agentes de usarem isso para fazer coisas ruins”, disse.

O vice-diretor do Instituto de Informática da UFG ressalta, no entanto, a importância da ética para o uso correto dessas tecnologias.

“O que está acontecendo agora são coisas novas que vão chegar, mas nós vamos ter ferramentas que irão nos auxiliar, para ajudar nesse processo de saber o que é verdadeiro, e fundamentalmente a ética. A ética é uma coisa que falta muito melhorar, principalmente no nosso país, a gente briga muito por isso, não adianta nada a gente ter uma ferramenta se não sabemos usar ela”, conclui.

Exemplos positivos

Se por um lado há um temor sobre possíveis consequências incontroláveis da Inteligência Artificial, por outro existem projetos que podem beneficiar a sociedade. O estudante do curso de IA da UFG, Marcos Vinícius, de 21 anos, participa de um grupo de estudos que pretende desenvolver um projeto de comunicação automática entre drones.

“A ideia basicamente seria a gente ter um drone controlado por uma pessoa ou até mesmo fazer ele ser autônomo, e esse drone controlar outros drones ao redor. A aplicação para isso é bastante ampla. A gente pode identificar atitudes suspeitas de pessoas ao redor da área, ou então a gente pode procurar pessoas desaparecidas, procurar pessoas suspeitas que fugiram”, explica o estudante.

Inspirado na carreira do irmão, Daniel Henrique já sabia a área que seguiria ao concluir o Ensino Médio (Foto: Lucas Xavier/Sagres

Esta reportagem integra a segunda temporada da série Repense desenvolvida pelo Sistema Sagres de Comunicação com o apoio da Renapsi e da  Fundação Pró Cerrado

Ao longo de 48 episódios abordamos temas relativos aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS) da Organização das Nações Unidas ONU. Nesta reportagem a temática inclui os ODS: 08 – Trabalho Decente e Crescimento Econômico e ODS 09- Indústria, Inovação e Infraestrutura.

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