As relações ecológicas são uma parte da Biologia que estuda os tipos de interações entre os seres vivos, podendo elas serem de forma harmônica ou desarmônica, entre indivíduos da mesma espécie ou não. Algumas delas trazem benefícios ao seres participantes, que trabalham de forma unida para que chegar a um objetivo de maneira mais simplificada. Estamos falando da relação de sociedade.

A sociedade é um exemplo de relação entre indivíduos da mesma espécie que tem como foco a cooperação e o trabalho de coletividade. As formigas, as abelhas e os pássaros, por exemplo, se enquadram nesse perfil e, portanto, em mais uma reportagem da série “Inspiração da Natureza”, vamos perceber como as modalidades esportivas utilizam da característica de equipe desses animais para competir. É o que chamamos de Biomimética.

Coletividade na natureza e esporte

Coletividade é a capacidade de pensar e agir em prol de todos em uma comunidade e não apenas de si mesmo. Quando se fala em trabalho coletivo e de cooperação na natureza logo pensamos nas formigas. Esses insetos, apesar de bem pequenos, possuem uma das principais formas de trabalho e são conhecidos como a “organização social mais complexa” da fauna.

De acordo com o pesquisador e professor de Comunicação Cooperativa, Thomas Brieu, a cooperação é onipresente na natureza e a visão de grupo se sobressai as demais. “Os reinos ajudam uns aos outros – o reino vegetal, mineral e animal. Quando começamos a olhar com uma visão mais ampla, percebemos que é verdade que a competição ganha vantagem dentro da visão de um grupo, são os grupos altruístas que levam vantagem a longo prazo”, explica.

Modo de coletividade das formigas é considerado a organização social mais complexa dos grupos animais (Foto: Divulgação/Pexels)

Trazendo para o esporte, temos várias modalidades que prezam pelo coletivo, como futebol, vôlei, basquete, futebol americano e entre outros. Nesse contexto, Thomas Brieu destaca que existe uma competição natural (equipe x equipe), mas que dentro do seu próprio time precisa ter uma cooperação e pessoas com o mesmo propósito para tirar vantagem em relação à outra. O pesquisador relaciona o esporte com outros animais que têm essa característica.

“Os pássaros têm uma inteligência coletiva, não adianta eu ficar só egoísta. Preciso ter momentos que vou na frente, vou apanhar mais que os outros, depois vou descansar. No esporte é a mesma coisa. Tem momentos que eu vou aparecer, que vou ficar na frente, mas para que isso seja sustentado, precisa ter uma cooperação atrás de mim”, ressalta.

No basquete, por exemplo, podemos observar este aspecto. Cada um possui a sua função, mas todos podem atacar e defender em determinado momento. Na visão de Gustavo Moura, ala do Vila Nova, o basquete não existiria se não houvesse a estratégia coletiva porque apenas um jogador não consegue fazer tudo sozinho.

“A gente sabe da capacidade de cada um e a gente sempre tenta se ajudar. Isso reflete diretamente no nosso trabalho em equipe. Um jogador sozinho não consegue ganhar um jogo, ele precisa da ajuda de todo mundo. Todo mundo tem que marcar, tem que atacar, então sozinho, ele não daria conta. A gente tem que jogar coletivamente”, argumenta.

Divisão de funções para um trabalho melhor

Conforme Thomas Brieu, as formigas e as abelhas são seres eussociais. Os indivíduos que têm essa denominação possuem o grau mais alto de organização social no mundo animal e as divisões de trabalho são realizadas em níveis, sendo que para cada uma delas há uma função específica. No caso das formigas, existem as rainhas, os machos e as operárias, e todos trabalham nas colônias de forma constante.

“Uma formiga não precisa entender como funciona o formigueiro inteiro, a arquitetura dele. Elas têm uma programação muito simples. Quando acontece este evento você faz aquilo e quando aquilo acontece, você faz isso outro. Isso é o suficiente para manter o formigueiro funcionando”, avalia o pesquisador.

Da mesma forma acontece no futebol. Um atacante não faz a função de um goleiro, um zagueiro não faz a função de um centroavante. Cada um tem o seu papel, mas todos são importantes para que no final a equipe consiga um bom resultado. Isso pode ser observado no trabalho de coletividade do Atlético Goianiense. Segundo o técnico Marcelo Cabo, esse atributo vai muito além das quatro linhas do campo.

“Eu trabalho a coletividade dentro e fora de campo. Acredito muito em ambiente saudável dentro do clube, um ambiente honesto, de retidão, frontal, olho no olho. Acho que nos últimos anos, o sucesso do Atlético-GO tenha passado por esse perfil […] Acredito no bom ambiente que a gente está formatando aqui dentro, os jogadores corresponderam muito bem nas três semanas de temporada. Já deu para detectar que é um elenco muito comprometido”, exemplificou.

Para demonstrar ainda melhor essa relação de coletividade, Thomas cita um experimento feito com galinhas. De um lado foram colocados os animais considerados melhores e mais fortes, e do outro, os mais fracos. As galinhas ditam incapazes tiveram um resultado melhor em grupo do que as mais fortes porque elas “não se bicavam”, ou seja, não brigavam entre si. Dessa mesma forma, Erick Gustavo, ponteiro/oposto do Goiás Vôlei, comentou sobre a importância de criar laços para dentro da equipe que reforcem a experiência de coletividade.

“Por ser um esporte coletivo, no voleboi a gente tem a necessidade muito grande do outro, dos companheiros que dividem quadra conosco. É importante sempre manter um ambiente sadio, e isso é incentivado pelos treinadores e todo mundo. Sabendo que cada um tem a sua função e desenvolvendo-a da melhor forma possível, isso melhora o time como um todo […] Acredito que é importante que a gente crie laços entre nós do grupo para que a gente consiga desempenhar o nosso papel, para estar mais confortável dentro de quadra e estar mais feliz para ter um ambiente harmônico”, opina.

Atlético Goianiense treinando na pré-temporada (Foto: Divulgação/Bruno Corsino/ACG)

Processo de coletividade na escola

Além do âmbito familiar, é na escola que os princípios mais importantes são ensinados para as crianças. Ao mesmo tempo, cada uma delas possui um tempo diferente de aprendizagem e desenvolvimento, mas existe também um sistema de comparação que, para o pesquisador, pode ser prejudicial à cooperação.

Thomas avaliou que as instituições de ensino precisam fomentar o espírito de coletividade para que as crianças não cresçam com o pensamento superioridade, de idealizarem que são melhores ou mais importantes que as outras pessoas.

“A escola tem, sim, essa missão de fazer com que a gente compartilhe valores e princípios entre nós e, se possível, que sejam humanizados e cooperativos. Se eu tenho valores de Justiça, equidade, cooperação, visão sistémica e de integração, eu vou conseguir levar o meu grupo, a minha família, a minha espécie em um patamar maior”, reitera o pesquisador.

Desta forma, o trabalho em equipe bem feito é a chave do sucesso para um determinado time ou grupo de animais, que se enquadra na relação intraespecífica de sociedade e conquistem as metas traçadas. “É preciso dar para receber. É isso que a natureza nos ensina”, frisa Thomas Brieu.

Com colaboração de Nathália Freitas.

Mariana Tolentino é estagiária do Sistema Sagres em parceria com o Iphac e a Unialfa sob supervisão da jornalista Thaís Dutra.

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