Na Sérvia um homem optou por se isolar e vive há 20 anos em uma pequena caverna, nas proximidades da cidade sérvia de Pirot, que fica a 300 quilômetros da capital Belgrado.

Esse eremita é Panta Petrovic, um homem que após vários casamentos e um estilo de vida que ele classifica como frenético, não se sentia livre na cidade. Assim, doou todo o seu dinheiro, para financiar a construção de três pequenas pontes na cidade, e decidiu se isolar.

Recentemente, após perder alguns animais pelo ataque de lobos, resolveu construir um abrigo rústico nos arredores de Pirot, para proteger seus bichos de novos ataques. Essa proximidade o faz frequentar ocasionalmente a cidade.

Em 2020, em uma de suas visitas à Pirot, foi informado sobre a pandemia da Covid-19. Ele se vacinou assim que foi possível e recomenda que todos se vacinem. Mesmo vivendo isolado, ele afirma que o vírus não escolhe lugar e poderia alcançá-lo também.

A Sérvia, país que viveu em sua história capítulos dramáticos e muitas guerras, também é o lugar de origem de Novak Djokovic, carinhosamente chamado de Nole ou Djoko. Entre saques, voleios, backhands e drop shots, ele se consolidou como o número um no mundo do tênis.

O currículo do atleta é invejável. É um dos maiores tenistas de todos os tempos, sendo o maior vencedor de Grand Slams, ao lado de Roger Federer e Rafael Nadal. No Australian open é recordista, com 9 títulos. Também foi campeão em 5 edições do Wimbledon Open, 3 edições do US Open e uma vez em Roland Garros. Em 2021, superou Roger Federer e se tornou o tenista com mais tempo na liderança do ranking da ATP, mantendo-se como número um do rank por 311 semanas. É o maior vencedor do ATP World Tour Masters 1000, com 37 títulos, pentacampeão do ATP Finals e campeão da Copa Davis.

Novak Djokovic. (Foto: Reprodução/Facebook)

Apesar de não ter curso superior, fato do qual afirmou se ressentir, Djoko fala fluentemente, além do sérvio, outros 3 idiomas (inglês, alemão e italiano). Começou a jogar tênis aos quatro anos de idade e a rotina de treinos o afastou de um modelo convencional de estudos e da vida acadêmica.

A carreira profissional é, sem dúvida, um exemplo de sucesso. Em meio a “feras” do tênis, como Roger Federer e Rafael Nadal, Nole conseguiu conquistar seu espaço e se consolidar.

A fama e a intensa exposição na mídia levaram-no a cargos importantes no campo filantrópico. Foi embaixador da Sérvia no Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), entre 2011 e 2015. Em 2015, foi nomeado embaixador da Boa Vontade da Unicef e permaneceu na função até maio de 2020.

Mas, apesar de todos os êxitos e da fama, Djokovic tem colecionado, dentro e fora das quadras, polêmicas e se notabilizado como campeão do negacionismo.

No início da pandemia, Nole deu declarações contra a vacinação obrigatória e enfrentou a oposição do epidemiologista sérvio, Predrag Kon. O médico afirmou que, apesar de estar entre os milhões de fãs do astro do tênis, precisou vir a público para rebater sua opinião e reforçar a importância da imunização.

Contudo, as polêmicas declarações de Djokovic não pararam por aí. Ele chamou a atenção da opinião pública ao afirmar que o poder da mente poderia ser usado para purificar a água do esgoto tornando-a totalmente pura e com poderes terapêuticos. Acrescentando mais absurdos, Jelena Djokovic, sua esposa, compartilhou nas redes sociais um conteúdo conspiratório, do americano Thomas Cowan, segundo o qual haveria uma relação entre a tecnologia 5G e a Covid-19.

Em junho de 2020, Djoko organizou várias exibições de tênis na Croácia e na Sérvia, mas esses eventos não respeitaram os protocolos de prevenção à Covid-19 e reuniram milhares de pessoas sem o devido distanciamento ou exigência do uso de máscara. Apesar de os jogos terem caráter filantrópico, o desrespeito aos cuidados sanitários gerou repercussão negativa. Além disso, os tenistas Grigor Dimitrov, Borna Coric, Viktor Troicki, e o próprio Djokovic foram infectados pelo coronavírus.

Um pouco antes do US Open de 2020, Djoko voltou a polemizar quando confrontou a ATP e anunciou a criação de uma nova associação de tenistas denominada Professional Tennis Players Association. O aspecto contraditório de tudo isso é que ele era o presidente do Conselho dos Jogadores da ATP. Mas sua iniciativa não contou com o apoio de nomes importantes como os ídolos Roger Federer e Rafael Nadal, que além de criticarem sua atitude, reforçaram o apoio à ATP.

Em setembro de 2020, pelo US Open, quando enfrentou nas oitavas de final o espanhol Pablo Carreño Busta, teve seu serviço quebrado no primeiro set e, irritado, arremessou a bola com violência para o fundo da quadra. Infelizmente, atingiu o pescoço da árbitra, que caiu gerando grande preocupação. Djoko foi desclassificado e multado no valor do prêmio em dinheiro que receberia por ter chegado às oitavas – US$ 250 mil. Além disso, perdeu o direito de somar os pontos no rank. Ele foi o primeiro número um do mundo a ser desclassificado de um Grand Slam. Posteriormente, o atleta publicou um pedido de desculpas e afirmou que tomava o ocorrido como “lição”.

Entretanto, nos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2021, houve um novo descontrole do atleta. Depois de perder a disputa pela medalha de bronze, Djokovic ficou irritado, quebrou uma raquete e arremessou outra em direção à arquibancada.

Novak Djokovic nas Olimpíadas. (Foto: Reprodução/Facebook)

A polêmica mais recente envolve uma série de questões. No dia 5 de janeiro de 2022, Djoko desembarcou em Melbourne para participar do Australian Open, mas foi barrado no aeroporto por problemas em seu visto, pois teria apresentado documentação com preenchimento incorreto e por não cumprir a exigência de comprovar a vacinação contra a Covid. Assim, seu visto foi cancelado e ele teve que se hospedar no Park Hotel, um “hotel de quarentena” em Melbourne, aguardando que seus advogados consigam uma sentença favorável ao pedido de liminar que aprove o visto e garanta sua participação no torneio.

O problema é que a questão avançou para o campo político-diplomático. O presidente da Sérvia, Aleksandar Vučić, se manifestou sobre o caso e alegou que o país faria tudo que pudesse para acabar com o constrangimento imposto pela Austrália ao atleta sérvio. Chegou ainda a afirmar que há uma perseguição política contra Djokovic, na qual incluiu o primeiro-ministro da Austrália.

Na tentativa de amenizar a situação, Craig Tiley, diretor do Aberto da Austrália ou Australian Open, afirmou que haveria outras possibilidades que garantiriam uma permissão especial para a permanência de Djokovic, tais como reações anteriores a vacinas, cirurgia recente, miocardite ou evidência de infecção por coronavírus nos últimos seis meses.

Diante disso, os advogados de Djokovic apresentaram documentos à Justiça australiana que comprovariam que o tenista testou positivo para a doença, em um teste recente de RT-PCR, com data de 16 de dezembro de 2021.

Acontece que esse argumento teve um “efeito bumerangue”, pois Djokovic participou, nesse mesmo dia 16, de um evento do correio sérvio que lançou uma série de selos para homenageá-lo. A coisa fica ainda pior quando se revela que a federação de tênis de Belgrado divulgou fotos, no Facebook, nas quais o tenista e diretores, todos sem máscaras, aparecem entregando premiações a jovens tenistas no dia 17 de dezembro. Além do mais, o governo australiano afirma que uma infecção recente pela doença é um requisito de exceção que vale apenas para cidadãos e residentes.

Bem, para além de todas essas ações polêmicas do astro do tênis e as possíveis reviravoltas que o caso Australia pode vir a ter, convido todos para a seguinte reflexão: como compreender de o ermitão Panta Petrovic, apesar de seu modo de vida insular, ser um entusiasmado defensor da imunização e pessoas como o viajado e internacional Novak Djokovic serem apaixonados negacionistas?

Para iniciarmos esse exercício reflexivo, poderíamos levar em conta a questão da desinformação ou das fake news, que têm sido amplamente divulgadas, ou mesmo a falta de informação adequada. Mas não é o caso. Todos eles, em maior ou menor medida, tiveram e podem ter acesso às informações da ciência.

Outro aspecto a ser considerado é a força que as “teorias da conspiração” vêm ganhando em meio a alguns setores da sociedade. Poderíamos argumentar também que uma educação mais adequada superaria o negacionismo. No entanto, observamos que há negacionistas com as mais variadas formações acadêmicas, inclusive no campo da medicina.

Dessa forma, concordo que todos esses fatores anteriormente citados devem ser considerados, mas entendo que, independente do lugar ou da formação acadêmica, uma posição proativa diante dos desafios da pandemia ou de situações semelhantes dependem muito mais de princípios nos quais o indivíduo acredita e lastreia seus atos e sua vida, da construção e preservação do sentimento de empatia e da crença cívica de que o bem-estar  da sociedade deve estar acima das crenças ou conveniências individuais.

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