Pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCRP) da Universidade de São Paulo (USP) criaram um procedimento para diagnosticar câncer. A técnica faz análise de compostos orgânicos voláteis (VOCs) em amostras de saliva e urina, com equipamentos de laboratório.

A técnica evapora as amostras e extrai os compostos voláteis para detectar alterações que são uma espécie de ‘impressão digital’ do câncer. Vale ressaltar que o procedimento ainda está em fase experimental. Apesar disso, os pesquisadores já tiveram resultados animadores para que seja uma opção simples, mais barata e não invasiva de diagnosticar as várias formas de câncer.

“Para diagnosticar o câncer, os médicos utilizam diversos exames, como mamografia, tomografia, ressonância magnética, endoscopia, colonoscopia, exames de sangue e biópsia. Esses métodos são seguros e eficazes. No entanto, esses procedimentos costumam ser invasivos, trabalhosos, envolvem custos consideráveis e exigem profissionais altamente qualificados”, explicou o farmacêutico bioquímico Bruno Ruiz Brandão da Costa, em entrevista a Júlio Bernardes do Jornal da USP.

“Sendo assim, muitas vezes os exames diagnósticos não são facilmente acessíveis a todos os tipos de pacientes. Por todos esses motivos, o desenvolvimento de técnicas acessíveis, rápidas e não invasivas de detecção do câncer representa uma demanda crítica e desafiadora em nossa sociedade”, completa o profissional, primeiro autor do artigo que a revista científica Journal of Breath Research publicou.

Compostos orgânicos voláteis

De acordo com Bruno Ruiz Brandão Costa, compostos orgânicos voláteis são substâncias químicas que nosso corpo humano produz naturalmente. Entretanto, o farmacêutico bioquímico esclarece que, doenças como o câncer, provocam mudanças metabólicas e, como consequência, o aparecimento de novos VOCs. Podem também alterar a concentração daqueles naturais presentes no corpo.

(Farmacêutico bioquímico, Bruno Ruiz Brandão da Costa, primeiro autor do artigo sobre procedimento que detecta ‘impressão digital’ de câncer | Foto: Arquivo pessoal)

“Essas mudanças no perfil podem ser detectadas por meio de análises químicas. Neste sentido, o objetivo principal da nossa pesquisa foi comparar o perfil dos VOCs presentes no fluido oral e na urina de pessoas saudáveis e de pacientes com câncer. Com isso, buscamos identificar se existe uma diferença significativa entre o perfil dessas substâncias nos dois grupos, o que poderia ser útil no diagnóstico da doença”, pontua.

Os pesquisadores coletaram amostras em pacientes com câncer de cabeça, pescoço e gastrointestinal (CGI) na área de oncologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP) da USP. Em seguida, os cientistas analisaram as coletas no Laboratório de Análises Toxicológicas Forenses do Departamento de Química da FFCLRP.

Para vaporizar as amostras, os pesquisadores as colocaram em frasco fechado, aquecido e agitado. Em seguida, os cientistas analisaram essas substâncias vaporizadas, ou headspaces, injetaram no equipamento de cromatografia com detector de ionização (GC-FID), que separa esses compostos.

“Após a separação, os compostos são detectados e geram um sinal analítico que chamamos de ‘pico’. O conjunto de picos presentes em toda a análise é chamado de ‘cromatograma’”, afirma Bruno Ruiz Brandão da Costa.

‘Impressão digital’

Para comparar os perfis cromatográficos das amostras, os pesquisadores utilizaram análises estatísticas para verificar diferenças significativas entre as amostras de pessoas saudáveis e com câncer.

“Neste trabalho nós não identificamos as substâncias presentes nas amostras, para isso seria necessário um equipamento muito mais caro. A diferenciação foi feita exclusivamente pelos diferentes perfis dos picos presentes no cromatograma, o que também é chamado de fingerprint, ou uma ‘impressão digital’ do câncer”, relata Bruno Ruiz Brandão da Costa.

O farmacêutico bioquímico também chama a pesquisa de inovadora, porque avaliam a eficácia do diagnóstico com dados de um material biológico, ou aquelas doadas, o que chama “análise híbrida”.

De acordo com Bruno Ruiz Brandão da Costa, os modelos individuais de câncer de cabeça e pescoço em urina apresentaram os melhores resultados em termos de sensibilidade e especificidade. Os números registraram um índice de 84,8% e 82,3%, respectivamente, já o de câncer gastrointestinal em saliva, 78,6% e 87,5%. Com relação aos modelos híbridos, para câncer de cabeça e pescoço, os cientistas obtiveram 75,5% de sensibilidade e 88,3% de especificidade, enquanto que para câncer gastrointestinal, 69,8% e 87%”.

“Os dados indicam, por exemplo, que nosso método foi capaz de classificar 84,8% das amostras de urina de pessoas com câncer de cabeça e pescoço como sendo, de fato, de amostras ‘positivas’. Para um estudo preliminar, isso foi considerado muito bom”, interpreta.

Mais pesquisas

Bruno Ruiz Brandão da Costa afirma que existem várias pesquisas no mundo sobre o diagnóstico do câncer por análise dos VOCs. Contudo, conforme o profissional, as clínicas ainda não adotaram nenhuma técnica do tipo em sua rotina.

“Nossos resultados são promissores, porém, o número de voluntários que participaram da pesquisa foi relativamente pequeno. É necessário continuar a pesquisa com um número muito maior de participantes para depois pensar em usar o método nos serviços de saúde. Porém acredito, e espero, que um dia isso possa acontecer”, projeta.

Os pesquisadores Ricardo Roberto da Silva, Vítor Luiz Caleffo Piva Bigão, Fernanda Maris Peria e Bruno Spinosa De Martinis também colaboraram com o estudo.

*Esse conteúdo está alinhado com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU 03 – Saúde e Bem Estar

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