O projeto J-PAS (Javalambre Physics of the Accelerating Universe Astrophysical Survey), que envolve colaboração entre Espanha e Brasil, dá início à criação do maior mapa tridimensional do Universo, contendo centenas de milhões de corpos celestes. As observações para esse levantamento ocorrem no Observatório Astrofísico de Javalambre (OAJ), próximo à cidade de Teruel, na Espanha, e têm uma estimativa de duração de uma década.

O J-PAS tem como objetivo mapear uma vasta extensão do céu, englobando galáxias, estrelas e quasares, com o intuito de ampliar nosso entendimento sobre a energia escura por meio do estudo das grandes estruturas cósmicas. Este projeto é liderado pelo Centro de Estudios de Fisica del Cosmos de Aragón (CEFCA), em Teruel, em conjunto com a USP, o Observatório Nacional (ON) no Rio de Janeiro, e o Instituto de Astrofísica de Andalucía (IAA) em Granada, Espanha, em uma colaboração internacional envolvendo mais de 250 pesquisadores de 18 países.

“O início das observações e obtenção dos primeiros dados da colaboração J-PAS coroam um esforço conjunto de cientistas brasileiros e espanhóis na construção deste que será o maior mapa tridimensional do céu”, destaca o diretor do ON, Jailson Alcaniz, pesquisador do Centro de Dados do J-PAS no Brasil. Segundo o cientista, a análise dos dados do J-PAS exigirá desenvolvimentos em computação de alto desempenho e aprofundará significativamente a nossa compreensão do universo que nos cerca. “Certamente, eles contribuirão para a formação da nova geração de astrônomos em várias partes do mundo”, observa, em entrevista ao Jornal da USP.

O astrônomo Eduardo Cypriano, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, destaca a relevância do J-PAS, especialmente para a ciência brasileira. “A participação dos pesquisadores brasileiros, desde as fases iniciais do projeto até agora, quando os primeiros dados começaram a ser distribuídos, significou um processo de amadurecimento e entendimento dos dados que não ocorre quando entramos em um projeto no qual não somos protagonistas”, aponta.

Telescópio JST250

As observações do J-PAS são realizadas por meio do telescópio JST250, que possui um espelho de 2,5 metros de diâmetro e oferece uma visão abrangente do céu. O telescópio está equipado com a câmera panorâmica JPCam, que conta com 1,2 milhão de pixels, tornando-se a segunda maior câmera astronômica do mundo na atualidade. Esta câmera utiliza um sistema inovador com 56 filtros ópticos criados especialmente para o projeto, permitindo a captura de imagens em múltiplas cores de amplas áreas do céu, gerando informações detalhadas sobre todos os objetos em seu amplo campo de visão. O instrumento JPCam-JST250 se destaca por sua capacidade de mapear o Universo e medir distâncias extragalácticas com precisão necessária para um estudo minucioso.

Os primeiros estágios do projeto J-PAS começam agora, após uma rigorosa fase de verificação, checagens e otimizações dos sistemas do JST250 e da JPCam realizados por cientistas, técnicos e engenheiros do CEFCA. A fase final de comissionamento, iniciada em maio de 2023, foi recentemente concluída com sucesso, demonstrando que o sistema JPCam-JST250 atende a todos os requisitos técnicos e científicos previstos inicialmente, garantindo a excelente qualidade das imagens em todo o campo de visão.

“A JPCam é um protótipo, no sentido de que não existe nenhuma outra câmera igual a ela no mundo. Os 14 detectores de grande formato foram desenvolvidos especificamente para este projeto, assim como a complexa eletrônica de controle e o próprio sistema de filtros do J-PAS”, descreve Antonio Marín, subdiretor do OAJ e responsável pelo projeto JPCam. “Devido à sua altíssima complexidade tecnológica, a caracterização, validação e ativação da JPCam foram um desafio que demandou novos desenvolvimentos de engenharia durante o processo de comissionamento.”

Até o momento, já foram observados os primeiros 15 graus quadrados (unidade de medida utilizada pelos astrônomos) do mapa, abrangendo a área equivalente a 60 Luas cheias, com todos os 56 filtros do J-PAS. Apesar de ser apenas o início, esses dados já fornecem informações detalhadas sobre um milhão de estrelas e galáxias, muitas das quais nunca antes foram observadas com esse nível de detalhe.

“A JPCam, juntamente com o maior sistema de filtros de baixa largura em existência, são um exemplar único no mundo, provendo um espectro de cada ponto da câmera de qualquer objeto, seja ele uma galáxia no início do Universo ou um asteroide próximo à Terra”, explica Renato Dupke, pesquisador do ON e diretor científico do projeto J-PAS. “Isso dá ao projeto não só a capacidade de fazer estudos cosmológicos de ponta, mas também um legado que permite fazer estudos de ponta em basicamente todas as áreas da astronomia.”

Volume

Devido ao amplo campo de visão, cada imagem da JPCam gera cerca de 1 GB de dados, e em uma única noite, centenas de imagens podem ser capturadas. O alto volume de dados gerados pelo J-PAS exige a existência de um centro de processamento de dados dedicado para armazenar, gerenciar e processar os dados do levantamento.

Para o Dr. Héctor Vázquez, responsável pelo Departamento de Processamento e Arquivos de Dados do CEFCA, “o início da tomada de dados do J-PAS é um momento muito especial, pois estamos aplicando o nosso conhecimento e a experiência multidisciplinar de outros mapeamentos anteriores para garantir tanto a eficiência das observações astronômicas como o processamento adequado da quantidade gigante de imagens que elas geram.”

O J-PAS é um projeto que deixará um legado para a comunidade científica internacional, fornecendo uma visão única do Universo. Seja pelas novas informações obtidas, seja pela quantidade massiva de dados coletados, que englobam centenas de milhões de objetos observados, o J-PAS abre novas perspectivas de pesquisa em quase todas as áreas da astrofísica e da cosmologia.

Projeto científico

Essa promissora colaboração é enfatizada pelo professor Laerte Sodré Junior do IAG, e o professor Raul Abramo do Instituto de Física (IF) da USP destaca as oportunidades entusiasmadoras para o Brasil no contexto desse projeto.

“O J-PAS ilustra bem o tempo entre a concepção de um projeto científico e seu início. Começamos a pensar no que viria a ser o J-PAS em 2009, e apenas 14 anos mais tarde ele começa a produzir os dados que queremos obter. Foi o trabalho incessante de cientistas e engenheiros, no Brasil e na Espanha, ao longo de todo esse período, que tornou isso possível”, avalia. “Agora os dados coletados pelo telescópio vão nos ajudar a saciar nossa curiosidade científica, ajudando a responder a inúmeras perguntas sobre o cosmos. E na verdade continuarão a fazer isso por muito tempo, representando mesmo um legado para as gerações futuras”, completa.

“A história da astronomia nos ensina que os grandes mapas astronômicos realizados no passado marcaram o antes e o depois do nosso conhecimento sobre o cosmos”, lembra Carlos López San Juan, subdiretor científico do CEFCA. “O J-PAS será o maior e mais preciso mapa fotométrico multicores com capacidade para proporcionar informação espectral [das emissões de radiação e luz] de qualquer região do Universo. E, como tal, aspira a se converter em uma referência para a astronomia do século 21.”

As perspectivas para o Brasil no contexto da colaboração são bastante animadoras, segundo o professor Raul Abramo, do Instituto de Física (IF) da USP. 

“O J-PAS está permitindo a participação e liderança de cientistas brasileiros num dos maiores e mais inovadores mapas do Universo da atualidade. A partir de hoje teremos inúmeras oportunidades para novas descobertas e aplicações desses dados, seja por pesquisadores sêniores, estudantes de pós-graduação e mesmo estudantes de graduação”, observa. “Desse modo, o J-PAS está alavancando o desenvolvimento de uma geração de astrônomos e físicos que trabalham na fronteira do conhecimento sobre a energia escura e a origem das galáxias e das estruturas cósmicas.”

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 04 – Educação de Qualidade

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