O debate em relação aos transtornos psiquiátricos que afetam a saúde mental é positivo na internet. Mas os especialistas também se preocupam com a facilidade de acesso aos diversos sintomas de transtornos como a ansiedade e o Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH). 

Uma hashtag no Tik Tok, rede social que abrange amplamente a faixa etária de 13 a 24 anos, tem chamado atenção pela grande quantidade de menções dos sintomas de alguns desses transtornos. A #saúdemental, por exemplo, já superou o número de 3,1 bilhões de visualizações no Tik Tok. 

No entanto, as menções possuem um enorme quantitativo de pessoas fazendo autodiagnósticos de transtornos psíquicos e neurológicos. O doutor Júlio Cézar Reis Protásio é um dos psiquiatras que alertam para os riscos do autodiagnóstico de transtornos psiquiátricos baseado nos sintomas relatados na internet.

“ Uma pessoa que recebe as informações de um influencer ou de alguém na rede social e se identifica de alguma maneira, toma como base o emocional. Se eu me identifico com essa pessoa pelo jeito dela se vestir, pelo que ela fala, pelo que pensa, pelo que come, pelas críticas ao cabelo dela, então, com certeza, os sintomas que ela tem também fazem sentido para mim. E nem sempre os primeiros sintomas vão estar relacionados a um transtorno semelhante”, alerta. 

Leia mais: OMS diz que um a cada três universitários tem problemas de saúde mental

Influência das redes

O psiquiatra afirma que as pessoas estão cada vez mais influenciáveis na internet, questão que se agrava com problemas como a autoestima muito baixa. Protásio destaca a possibilidade dos sintomas serem desenvolvidos a partir da percepção de semelhança com o comportamento do outro e não com base em uma condição de um transtorno real. 

Saúde mental (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Saúde mental (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

“A pessoa começa a sofrer por uma condição que ela não tinha e desenvolve esse sintoma por outro motivo. Então, assim, na psiquiatria tem uma condição que se chama “Folie à deux”, que ocorre quando uma pessoa tem um quadro em que usa uma substância e desenvolve sintomas psicóticos e comportamentos alterados e outra pessoa vive junto, não usa substância, nenhuma droga, mas ela começa a ter sintomas também porque ela é muito dependente emocionalmente daquela outra pessoa”, explica.

Folie à deux é conhecida como o transtorno delirante induzido. Segundo o psiquiatra, no caso desta condição de desenvolvimento dos sintomas, há uma melhora no quando as pessoas são separadas de convivência. O especialista utiliza a condição para explicar o que pode ocorrer com a influência das redes, mas acredita que o que está acontecendo com os jovens é um quadro novo. 

“Separou aquelas duas pessoas, mesmo que a outra continue usando drogas, começa a haver uma melhora do quadro da pessoa que é mimetizada somente. Hoje nós temos isso com a rede social, a internet. Mas não podemos chamar de folie à deux, é um outro quadro e é preciso esclarecer os sintomas”, pontua.

Leia mais: Saúde mental é principal problema para os professores, aponta pesquisa

Saúde mental na internet

O uso excessivo da internet afeta a saúde mental. Então, o psiquiatra Júlio Cézar Reis Protásio explica que o vício está diretamente ligado à dopamina, neurotransmissor que transforma o prazer, vontade e desejo no nosso cérebro.

“Para alguma coisa se tornar viciante para o seu cérebro ela tem que liberar dopamina de modo contínuo e a internet faz isso, inclusive com a obtenção de informação. Só que ela faz isso sem exigir muito esforço. E quando algo promete dopamina sem exigir muito esforço aquilo ali vai se tornar algo viciante”.

Os adolescentes e jovens de 16 a 24 anos estão dentro da faixa etária mais afetada, pois são os que mais fazem uso prolongado da internet. O fato preocupa Protásio, por causa do desenvolvimento de uma parte extremamente importante do corpo humano.

“Tem um fator que é muito preocupante porque o desenvolvimento cerebral não se conclui aos 18 anos. 18 anos é a maior idade legal, mas o desenvolvimento cerebral, o período de maior desenvolvimento cerebral, é até os 24 anos. Então essa faixa etária não está exercitando com o esforço e outras maneiras que outras gerações receberam  e a internet está prejudicando isso também”, aponta.

Autodiagnóstico

Para o psiquiatra, grande parte do problema do autodiagnóstico está no “poder que a internet está tendo em influenciar as pessoas”. O especialista ressalta a identificação proposta pelas redes sociais como um fator positivo e negativo. Tudo depende da forma como a informação é passada e recebida.

Saúde mental na internet (Foto: Reprodução/Freepik)
Saúde mental na internet (Foto: Reprodução/Freepik)

“Quanto mais uma pessoa se identifica com um influenciador, mas ela vai comprar tudo que a pessoa vende, e tudo que ela fala vai aplicar para mim mesmo. Nós somos uma sociedade muito superficial, temos muita informação, temos! Mas ela não é aprofundada”, diz.

A internet funciona positivamente também na disseminação de informação. Uma busca simples por informação, por exemplo, pode levar uma pessoa a evitar um problema maior se ela não soubesse da existência ou da gravidade dele. Mas, como ocorre com todas as doenças, é necessário que o passo seguinte seja a procura por um especialista e não o autodiagnóstico.

“Às vezes a pessoa não tem o TDAH, mas ao seguir uma hashtag ela começa a observar e se identifica muito com pessoas que têm esse quadro. Mas, se ela chegar no consultório médico e me dizer que nem sempre foi assim, que nem sempre teve essa falta de foco e isso começou, vamos supor, da pandemia para cá, aí eu vou falar que não o TDAH. Não pode ser TDAH porque não é do neurodesenvolvimento. E pode ser por causa de um quadro de ansiedade, de bipolaridade, pelo uso de álcool, de substâncias que prejudicaram a capacidade de atenção. Então é muito importante fazer essa distinção, que é feita por um profissional”, explica.

Leia mais: Professor da USP afirma que é preciso ressignificar o sofrimento psíquico para diminuir uso de medicamentos

Diagnóstico correto

O autodiagnóstico é proibido, inclusive, para os próprios profissionais da saúde, conta Protásio. A prática é importante para prevenir diagnóstico errado e também a automedicação. Além disso, a saúde mental está ligada a sofrimentos momentâneos, ansiedade por fatos importantes. Porém, nem sempre essas palavras – ansiedade e sofrimento – indicam a necessidade de um tratamento. 

“Toda pessoa tem altos e baixos, mas tem gente que entra numa cratera emocional. Outras vivem entre o topo do Everest e um abismo, e esse é o transtorno bipolar. Então tudo depende da intensidade e do tempo de sofrimento”, explica o psiquiatra. O tratamento parte então do diagnóstico correto, que surge a partir da primeira consulta com um profissional da psicologia.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesta matéria, o ODS 03 – Saúde e bem-estar.

Leia mais: