Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) elevou o estado de contaminação pelo novo coronavírus como pandemia. Com o expressivo aumento de casos registrados e o desconhecimento acerca da doença causada pelo vírus, a covid-19, a decisão teve um efeito cascata no mundo esportivo, com o cancelamento, paralisação, suspensão e adiamento de eventos dos mais diversos níveis.

No Brasil, todos os torneios organizados pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) foram suspensos quatro dias depois, em 15 de março. Com a recomendação do principal órgão de futebol do país, a Federação Goiana de Futebol (FGF) anunciou a suspensão das suas competições nas categorias de base em 16 de março, enquanto o Campeonato Goiano profissional acabou paralisado por tempo indeterminado no dia seguinte.

Inicialmente previsto para maio, o Campeonato Brasileiro de 2020 iniciou em agosto, depois de uma paralisação de três meses dos clubes. Finalizado em fevereiro de 2021, foi disputado com um calendário mais breve, em seis meses. Já o Goianão 2020 foi retomado somente em janeiro deste ano, com as duas rodadas finais da primeira fase. A fase final foi concluída no mês seguinte, com o 15º título do Atlético Goianiense, em 27 de fevereiro.

Além do período de inatividade na segunda metade do primeiro semestre de 2020, os clubes tiveram que conviver com a queda nas receitas em diversas áreas, como a perda de patrocínios e a ausência de arrecadação com bilheteria, com jogos realizados de portões fechados há um ano. Um dos efeitos da crise foi a contenção de gastos, como a suspensão ou rescisão de contrato de funcionários e colaboradores dos clubes.

Crise na economia do futebol

Fernando Ferreira, fundador da Pluri Consultoria, consultora especializada em gestão esportiva, destacou que a perda de receita estimada com a pandemia para os 34 maiores clubes do Brasil foi de R$ 1,2 bilhão desde março de 2020, entre bilheteria, vendas de jogadores, sócio-torcedor, marketing e direitos de transmissões. De acordo com o ranking nacional de clubes da CBF, Atlético Goianiense, Goiás e Vila Nova fazem parte desse grupo, posicionados nos 19º, 21º e 34º lugares, respectivamente.

A perda de receitas, explica Fernando, se dá por três motivos. “Sem público, não há bilheteria e o sócio-torcedor perde atratividade e vendas. A crise econômica provocada pela pandemia afeta vendas de sócio-torcedor e pay-per-view, diminui investimentos das empresas em marketing e reduz dinheiro para as transmissões. Por ser uma crise global, todo o mercado de futebol trava, reduzindo o dinheiro disponível para compra de jogadores, que já respondia por 33% do total de receitas”, ressaltou.

Ainda segundo o empresário, para uma melhora na situação “é preciso antes que os efeitos da pandemia passem, o público volte aos estádios e a economia comece a se recuperar. Para agravar, temos a incerteza com relação ao horizonte de recuperação. Vai demorar muito para voltarmos ao patamar de receitas de 2019, e nesse caminho alguns clubes não conseguirão se recuperar. Com pouco espaço para compensar a perda de receitas, só resta uma alternativa: cortar despesas. No futebol, 65% dos gastos são com atletas”.

“O cenário se agrava porque os clubes perdem receitas quase instantaneamente, mas não podem reduzir os custos na mesma rapidez, porque têm que respeitar os contratos em vigor. E também não têm caixa pra pagar as pesadas multas de rescisão antecipadas. O número de clubes disputando os estaduais este ano será o menor já registrado em décadas. Vários clubes se licenciaram, o que, na prática, é uma morte não declarada”, ponderou Fernando Ferreira.

A situação dos clubes goianos

Diante desse cenário, e após um ano desde a primeira paralisação por conta da pandemia, a reportagem do Sagres Online entrevistou os dirigentes dos três clubes do futebol goiano envolvidos nas duas primeiras divisões do Campeonato Brasileiro – Atlético, na Série A, Goiás e Vila Nova, na Série B – a respeito da situação financeira dos mesmos. Em comum, os prejuízos milionários em um ano que se iniciou com otimismo, frustrado pela crise.

Sem ainda ter um levantamento mais detalhado, Adson Batista, presidente executivo atleticano, destacou para a repórter Nathália Freitas que “perdemos muito com receitas de bilheteria, e tivemos muitos prejuízos gerados. Um jogo custa em torno de 50 a 60 mil na Série A, com o VAR e tudo envolvendo. Não tivemos receita nenhuma e recebemos grandes clubes aqui em Goiânia, que dariam um retorno de renda bastante importante”.

Por isso, “foi um desafio conseguir passar essa temporada sem muitas dívidas. Realmente, foi algo muito difícil, mas o que mais somou foi estarmos na Série A, porque se estivéssemos na Série B teríamos muito mais dificuldades”, ressaltou o dirigente rubro-negro, que afirmou ainda que “perdemos receita de aproximadamente 20 a 25 milhões, porque teríamos situações de patrocínios e receitas com bilheteria”.

Para o Goiás, que já tinha durante o ano de 2019 um déficit mensal em torno de R$ 2 milhões e esperava um aumento de receitas na temporada de 2020, com o segundo ano seguido na elite do futebol nacional e a presença na Copa Sul-Americana, o prejuízo foi ainda maior, inclusive tecnicamente. Afinal de contas, terminou o Brasileirão na 18ª posição, novamente rebaixado para a Série B, também sem sucesso em outros torneios.

Em sua última entrevista como presidente executivo do clube esmeraldino, Marcelo Almeida estimou um prejuízo na ordem de R$ 20 milhões, entre bilheteria, direitos de transmissão e a segunda parcela do pagamento da venda de Michael ao Flamengo. Seu substituto, Paulo Rogério Pinheiro, entrevistado pelo repórter André Rodrigues, reforçou que “os prejuízos que a pandemia trouxe para o Goiás foram inúmeros, como a perda de bilheteria e de patrocínios, na sua integralidade ou parcialmente”.

“A pandemia realmente veio para piorar uma situação que já não estava tão boa. Nesse período, o prejuízo financeiro podemos falar em torno de oito a nove milhões, mas são números difíceis de serem mensurados, porque em 2019 o Goiás teve uma campanha razoável na Série A, então teve um público até bom, com alguns jogos com casa cheia. Em 2020, além de não ter tido público, e mesmo se tivesse, teríamos um público bem menor pela campanha, mas calculamos que entre todas essas perdas o Goiás deve ter tido em torno de oito a dez milhões de perdas em 2020”, frisou o dirigente esmeraldino.

Na projeção de Paulo Rogério, “em 2021, não será muito diferente. Não temos receita das escolinhas ainda, abrimos e já tivemos que fechar, os esportes olímpicos estão parados, e ainda não temos público nos estádios. Pior, os funcionários que estavam de licença tiveram que retornar em janeiro. Ou seja, aqueles funcionários que estavam recebendo do governo passaram a receber do clube, então nesse ponto a situação é mais preocupante”.

“Temos uma sequela gigante para ser curada dos erros feitos em 2020, onde o clube gastou muito mais do que arrecadou, não pensou na pandemia e gerou um déficit muito grande. Acreditamos que a curto prazo não tem muita solução. A médio prazo, sim, mas dependerá muito da série em que o Goiás estiver. Na Série B, é mais complicado ainda. Além da pandemia, temos a Série B. Vamos ver o que o futuro nos reserva, mas quanto mais rápido vacinar a população e voltar o público aos estádios ajudará o clube”, completou.

Se os clubes da Série A tiveram dificuldades, a Série C foi ainda mais desafiante para o Vila Nova, que, sem dispor de uma renda com direitos de transmissão, contava muito com a receita dos dias de jogo. De acordo com Leandro Bittar, vice-presidente do Vila Nova, “tivemos um prejuízo financeiro muito grande. Desde a paralisação, precisamos desligar atletas e alguns funcionários, que trabalham na parte administrativa e operacional do clube”.

“Isso teve um custo, por mais que tenhamos tido um subsídio do governo, que nos ajudou, e a CBF também colocou uma verba à disposição dos clubes, mas não era o suficiente para poder fechar essa conta. Além dessa questão dos desligamentos, a suspensão de contratos de patrocínios, muitas empresas tiveram que rever os seus orçamentos, e isso impactou diretamente o nosso fluxo de caixa”, pontuou o dirigente colorado.

Segundo Leandro, “as receitas para um clube como o Vila Nova, que estava disputando a Série C, já eram escassas, e confiávamos muito no apoio do nosso torcedor no OBA, com todas as ações que poderíamos promover, a receita oriunda dos bares, da loja e da bilheteria, que foram por água abaixo. Sem dúvidas, ficamos em uma situação muito complicada, justamente por ter perdido a nossa maior fonte de receita, que eram os jogos com público”.

Sobre o tamanho do prejuízo, o vice-presidente do Vila Nova calculou uma perda de até R$ 3 milhões de “receita bruta que deixamos de ter somente com com jogos: bilheteria, bar e loja. Não coloco nem o sócio-torcedor, que tínhamos um número considerável e depois acabamos perdendo bastante”. Bittar explicou a conta com uma projeção de acordo com os 13 jogos como mandante na Série C, além de considerar a campanha no Brasileiro de Aspirantes, competição pela qual o clube foi vice-campeão.