Os recentes ataques a escolas no Brasil – como em São Paulo, que terminou com a morte da professora Elisabeth Tenreiro, 71 anos; e em Blumenau (SC), onde um homem tirou a vida de quatro crianças – trouxeram para a discussão o seguinte questionamento: veículos de comunicação devem informar detalhes, como nome do criminoso e de que forma tudo foi planejado?

Em Goiânia, nós do Sistema Sagres de Comunicação optamos por não veicular certas informações a respeito do tema. Pelo país, este exemplo também é seguido por outros veículos como a TV Globo, o jornais Estado de S. Paulo e O Globo, os quais decidiram não informar a identidade do homem que atacou as crianças em Blumenau. No caso da escola em São Paulo, a identidade foi preservada, afinal, trata-se de um menor de idade. Na mesma esteira, na defesa da “promoção dos direitos das crianças e dos adolescentes”, a Defensoria Pública do Estado de Goiás, publicou no último dia 14, uma recomendação em que pede para “que as empresas de teleradiodifusão, sites e blogs de notícias e jornais impressos não divulguem nomes, fotos, manifestos e o modus operandi de crimes e ataques em escolas, a fim de que seja veiculada uma abordagem responsável e evite o efeito contágio”.

Leia o documento na íntegra:

Do ponto de vista jornalístico, é possível que essa mudança editorial se torne uma “regra”? E qual o impacto que a divulgação de notícias sobre crimes, em especial dos ataques a escolas, tem na sociedade? Com o debate posto, o sistema Sagres de Comunicação ouviu a psicóloga Aline Mariano, coordenadora de psicossocial da RENAPSI – Rede Nacional de Aprendizagem Promoção Social e Integração, e o jornalista Marcos Urupá, doutor em comunicação pela UnB – Universidade de Brasília, que aprovam a recomendação da Defensoria Pública do Estado de Goiás.

“As recomendações não são equivocadas. Elas têm um caráter preventivo e, de certa forma, aliviam um problema que estamos vivendo hoje em dia. A espetacularização de tragédias é comum, dá audiência, mas também afeta dores de famílias e perdas. Não é saudável pra quem tá envolvido”, explica Urupá, que chamou a atenção para a exposição dos fatos, que divulgados de forma massiva, servem de referência para quem acompanha.

“O programas policialescos passam na televisão todos os dias e chamam a atenção das pessoas. Então, quando você tem uma postura de vetar e pedir que não se faça a exposição nociva dos autores, você trabalha com a mitigação desse grave problema que estamos enfrentando. A exposição massiva desses autores de ataques, também serve de referência para pessoas que também querem praticar tal crime”.

Estímulo

Na mesma linha, a psicóloga Aline Mariano, alerta sobre a divulgação de informações detalhadas sobre os crimes. Para ela, pessoas com um perfil mais agressivo podem se sentir estimuladas.

“Tem pessoas que já pensam em fazer isso, porque são mais agressivas. são vários fatores, como o ambiente familiar, históricos social e econômico. Então quando se divulga meios, perfil, quando, como, isso potencializa as pessoas que já tem esse perfil mais agressivo. É muito válida essa medida da não divulgação”, explica a Aline, que também analisa do impacto sobre os cidadãos em suas atividades diárias.

Psicóloga Aline Mariano Foto: Arquivo pessoal

“Vamos pensar em uma comunidade escolar, vítima de um possível ataque ou até mesmo ameaças por causa da disseminação de notícias. Isso gera sentimentos negativos nas escolas, como ansiedade e estresse, porque o adolescente pode ficar com medo e pode afetar a saúde mental. A pessoa pode fica mais solitária, isolada, com dificuldade de relacionar porque não pode confiar no próximo, pois a pessoa que comete o ato violento, as vezes, é estudante da própria escola. Ter sentimento de fuga, o que também acarreta em um baixo rendimento acadêmico também”.

Fiscalização

Enquanto alguns veículo de comunicação seguem recomendações e adotam pesquisas que mostram que a divulgação de notícias “pesadas” servem como “trampolim” para a execução de outros crimes, outros continuam divulgando normalmente. Por isso, criar uma lei que proíba tais informações e fiscaliza-los seria uma saída? Para Marcos Urupá, algo desnecessário, afinal o Marco Regulatório de Radiodifusão é claro quanto ao papel dos veículos de comunicação.

“Não precisa de lei. Porque a regulação de radiodifusão já definiu qual o papel que os veículos devem ter, com um código e vários decretos que já foram publicados. O que os canais de rádio e tv devem entender é que o microfone não é uma metralhadora giratória. Devem ter compromisso e reponsabilidade, porque são concessões públicas. Operam como iniciativa privada, a pessoa lucra com aquilo, mas como qualquer serviço público, esperamos qualidade. Já temos legislação que aponta pra isso”, destaca Urupá, que ainda questionou a eficácia de uma possível medida de fiscalização.

“Quem fiscaliza? Não temos um órgão regulador de conteúdo, mas temos algumas medidas como classificação indicativa; regras de publicidade que moderam o conteúdo. Existem algumas regras, mas fiscalizar o jornalismo é mais difícil, porque é editorial, porém devem ser em cima dos preceitos legais que temos no Brasil”.

Vaidade

Outra questão que a divulgação dos detalhes de notícias de crimes, em especial as dos ataques as escolas, traz, é a lembrança do criminoso entre a sociedade; o sentimento de vaidade, muito comum em pessoas que praticam tais crimes.

“Se a gente olhar o histórico de falas de massacres, não só no Brasil, como no exterior, tem a questão da lembrança. São muitas vezes, pessoas que têm a necessidade de serem notados e que gostam de ser lembrados. Seja por bullying, rejeição na família, aí chegam em situações que precisam ser notados em algum momento”, lembra a psicóloga Aline Mariano.

Aliás, não tornar o criminoso uma personalidade, é algo que pode ser evitado não só pelos veículos de comunicação. Segundo Marcos Urupá, pessoas que utilizam as diversas redes sociais, também podem cumprir esse papel.

“A não divulgação de links, imagens e fotos desses assassinos, também diminui a curiosidade, o que não os torna uma personalidade”.

Discussão e Responsabilidade

De acordo com Urupá, não divulgar a identidade dos criminosos e os detalhes de um crime, colocam a prova a responsabilidade de cada veículo de comunicação, que por outras vias, podem problematizar os fatos e gerar debates em busca de soluções entre a sociedade.

Jornalista Marcos Urupá Foto: Linkedin

“Há um fato que aconteceu, agora, como você cobre esse fato é o “x” da questão. O detalhamento não contribuiu, mas não significa que o caso não possa ser problematizado. Por que aconteceu? Não é o problema de não noticiar, mas como os elementos da narrativa são colocados para a população”, ressaltou o jornalista, que se mostra precavido quanto a uma mudança maciça do comportamento da imprensa no Brasil, que ainda “apela” por audiência.

“Os impactos do meios de comunicação sobre a população em geral são instantâneos, mas é possível que sejam imediatos também. Creio que são medidas que diminuem pânico, diminuem o medo das pessoas e não tornam esse assassino um protagonista. É um conduta que devemos acompanhar em outros episódios que possam vir a acontecer”.

Assim como Marcos Urupá, a psicóloga Aline Mariano, também alerta sobre a responsabilidade de todos os setores da sociedade pela divulgação de uma “cultura de paz”.

“A responsabilidade deve ser compartilhada. A sociedade, o Estado e família, devem trabalhar em conjunto. Devemos encorajar a boa comunicação e trabalhar a empatia, além da cultura de paz”, finalizou.

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