Repensar o destino de resíduos sólidos produzidos pela comunidade e pela indústria é algo que pode ser feito por quem ainda nem sabe direito o que é educação sustentável. Mas desconhecer uma expressão tão importante para o futuro do planeta já está virando coisa do passado.

Na Escola Municipal Terra Prometida, em Aparecida de Goiânia, restos de alimentos e outros tipos de materiais que iriam para o lixo se transformam em adubo. Com a ajuda dos professores, os alunos construíram uma composteira, e até o chorume é reaproveitado. Assista a seguir

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O espaço, em um cantinho da escola, que praticamente não era utilizado, acabou se tornando um jardim sustentável. Nele, são os alunos que colocam a mão na massa, distribuindo o adubo entre as plantas. O material que ajuda no crescimento das mudas foi produzido nas composteiras.

A Ana Júlia já sabe bem como fortalecer as plantas com o material da composteira. ”Bom, a gente pegou o adubo, esparramou pelas plantas para elas ficarem um pouquinho fortes. O adubo está esparramado nessas flores e a gente deixou assim, amassou um pouquinho e está assim agora”, afirma.

O Isaac foi um dos que trabalharam na elaboração da composteira. ”A gente colocava água, folhas de árvore, pedacinhos de madeira pequenos, colocava terra, um monte de coisa”, explica Isaac.

Alunos distribuem adubo para as plantas de horta sustentável com material da composteira feita por eles próprios (Foto: Sagres TV)

Plástico e solidariedade

Outra iniciativa simples e sustentável da escola vem de uma parceria, o projeto Cestampas, que tem o objetivo de ajudar a população mais pobre da comunidade e reciclar um dos maiores vilões da natureza: o plástico.

A gestora da Escola Municipal Terra Prometida, Leomara Aquino afirma que há benefícios para os participantes da ação no ambiente escolar. Eles tem a missão de recolher tampinhas de garrafas.

”A cada 100 tampinhas que os alunos trazem, eles ganham um cupom para concorrer a uma bicicleta. Isso é mais para incentivar essa reciclagem que eles fazem. São tampas de todos os tamanhos”, afirma. ”A cada 25 quilos de tampinhas, eles revertem essas tampinhas, vendem e conseguem comprar uma cesta básica para uma família carente”, complementa.

De acordo com Leomara Aquino, a escola já arrecadou mais de 500 kg de tampas e materiais plásticos.

Alunos da Escola Municipal Terra Prometida juntam tampas plásticas para trocar por cestas básicas (Foto: Sagres TV)

Outro exemplo de práticas sustentáveis e que ajudam a destinar melhor o lixo produzido vem de outra escola, da rede privada, também em Aparecida de Goiânia. Lá praticamente tudo é reciclado ou reaproveitado. Peças de computador e até um sapato viram vasos de plantas.

Um pedaço de um antigo fogão foi adaptado como prateleira. Ideias simples que são repassadas para os alunos da Escola Casa Verde, como explica o professor e coordenador João Batista.

”Essa caixinha em especial [de leite condensado] é algo difícil de ser reutilizado, então ela não tem valor monetário. Quando separamos na nossa casa essas caixinhas de leite condensado, elas vão para o lixão porque mesmo sendo colocadas no lixo separado, a gente já percebeu que elas são de difícil manuseio. Para poder reutilizar, teria que tirar o alumínio e o papelão, e isso gera muita mão de obra e encarece o processo. Então, essas caixinhas iriam direto para o lixão. Se eu as colocar no reciclável, elas não serão reutilizadas, elas vão para o aterro sanitário. Então, uma das iniciativas que a gente tomou para evitar que elas vão para o aterro sanitário é utilizar para fazer o plantio de sementes”, explica.

João Batista relatou que a escola possui 40 espécies nativas de plantas do Cerrado. ”O que a gente faz com as crianças? Nós retiramos as sementes, colocamos nas caixinhas descartáveis de leite condensado e depois a gente espelha essas árvores, quando elas nascem, a gente dá tanto para as pessoas colocarem nas casas, nos parques, nas margens dos rios, então é um processo que a gente vai levar as sementes dessas árvores que tem na escola para povoar os lugares que já estão degradados”, esclarece.

Reaproveitamento

Assim como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), tudo por aqui está interligado. O material usado para o plantio das sementes nas caixinhas, por exemplo, vem da composteira da escola.

”São pedaços, sobras de alimentos e o vegetal que a gente poda, as folhas secas que caem. Então, isso vai se transformando e vai virando uma composteira. Do jeito que esse composto está aqui, se a gente coloca nas plantas, elas vão responder com uma produção maior e isso que iria virar um monte de lixo, vai deixar de ser lixo e vai ficar uma coisa valiosa para nossa escola. Então, se todo mundo fizer essa parte de não jogar o lixo orgânico nas lixeiras, vai estar contribuindo tanto para poder ter um produto de alta qualidade quanto diminuir os aterros sanitários”, afirma.

Resíduos são reaproveitados para a compostagem Escola Casa Verde (Foto: Sagres TV)

Depois de pronto, o material orgânico da composteira vai direto para a horta da escola, de onde saem os vegetais para produção do almoço dos alunos de tempo integral.

Na horta da escola é feito um trabalho semanal conhecido como vivências de quintal. As próprias crianças pegam o material da compostagem e levam para as plantas. Depois disso, hora de lavar as mãos nas pias sustentáveis, feitas com latões que iriam para o lixo e foram reaproveitados.

”É uma coisa muito simples. Aqui tem um latão que já tinha sido descartado, a gente pegou esse latão, colocou no lavatório, porém essa água que sai da torneira, ao invés de ela ir para o esgoto, vai ficar no chão para aguar a planta. Olha como a planta está agradecendo. Então, é uma forma de reutilizar também a água, que é um recurso também finito e cada vez mais está escasso”, argumenta João Batista.

Da escola para casa

Nessa escola, é impossível olhar em volta e não perceber a preocupação com a natureza e o meio ambiente, práticas e ensinamentos que as crianças levam para casa.

”O trabalho que a Casa Verde desenvolve com as crianças oportuniza que elas consigam ter uma consciência tão voltada para a natureza, tão ligada principalmente ao replantio, às áreas verdes que vai criando esse respeito, um cidadão que não só vai saber conviver, mas defender esse espaço verde que a gente vai precisar para a vida inteira, que os nossos netos e bisnetos façam”, afirma o professor Rogério.

Prova disso são os relatos dos alunos, como a Manuela. ”Em casa eu reciclo garrafa de leite ou de suco para fazer vaso de planta”.

”Uma coisa que a gente recicla muito na escola é caixinha de leite condensado. A gente as recorta ao meio e coloca sementes dentro. Elas crescem e viram um vaso de planta”, diz João Francisco, de 9 anos.

Alessandro, pai do João Francisco, fala sobre as atitudes do filho que ajudam o meio ambiente (Foto: Montagem/Sagres TV)

”Lá em casa eu já reciclei duas latinhas de molho de tomate para fazer um telefone de lata. Provavelmente elas não seriam recicladas se fossem para o lixo e iam poluir a natureza”, explica Melissa, de 7 anos.

O pai do João Francisco, o Alessandro Castro, conta que a família sempre teve essa preocupação de separar o que verdadeiramente é lixo do que pode ser reaproveitado.

”Desde que ele nasceu e foi crescendo, minha esposa e eu sempre tivemos esse pensamento de reciclagem. No nosso condomínio, a gente próximo à escola, tem uma parte de seleção, que separa o lixo reciclável do orgânico. Sempre que ele foi crescendo a gente foi mostrando, separando o lixo, mas coisa mais básica. Mas acho que tudo isso reforçou muito dentro da escola”, afirma.

Flávio Andrade conta que a filha Melissa, de 7 anos de idade, é muito preocupada com o destino que é dado a cada embalagem. Ele relata que a criança tem dado bons exemplos e ensinado bastante.

”Parece que inverteram os papeis, a gente comete um errinho e a Melissa já diz ‘papai, não é assim, tem que fazer dessa maneira’. A gente aproveita muita coisa dentro de casa. Algumas coisas não têm como aproveitar, a gente lava e coloca no reciclável. O que é possível, a gente sempre guarda. Uma vez a gente juntou tantas latas de leite que deu para fazer lembrança de uma festa, e tudo sob o comando da Melissa, ela encabeçou isso”, argumenta.

Flávio, pai da Melissa, conta como a filha repensa atitudes dentro de casa a partir do que aprende na escola (Foto: Montagem/Sagres TV)

O ex-aluno da escola, o João Lucas, de 7 anos, lembra que foi lá que aprendeu a repensar atitudes simples que podem ajudar o meio ambiente, como a separação de resíduos dentro de casa. ”Eu queria usar a caixa para recicláveis como caixinhas, potes de iogurte, essas embalagens. Eu decidi fazer essa caixa para quando estiver cheia a gente poderia reutilizar”, explica.

Gigante também pelo próprio lixo que produz, o Brasil é o 4º maior produtor de plástico do planeta, e só 1,2% é reciclado, segundo estudo feito pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF). Só em 2019, foram geradas mais de 11,3 milhões de toneladas do resíduo no país.

Na escola, as embalagens plásticas se transformam em percussão. A professora e musicoterapeuta Mauren Vasconcelos, que trabalha a musicalidade com as crianças, fala sobre a importância da reutilização.

”O trabalho com materiais reutilizáveis tem várias vantagens. Além dessa conscientização ambiental, é importante a gente perceber que a musicalidade não tem barreiras, e com esses materiais as crianças têm a oportunidade de criar, de se expressar, de usar a sua criatividade de uma maneira que os instrumentos convencionais talvez não possibilitam. Além disso, quando, na aula de musicalização, eles têm acesso apenas a instrumentos convencionais, eles sentem a música um pouco distante da sua realidade. Com os materiais reutilizáveis, a música fica muito acessível, eles conseguem na própria casa, utilizar panelas, baldes e outras coisas que iriam para o lixo e viram brinquedos e instrumentos musicais”, pontua.

Sustentabilidade e meio ambiente

O professor, geógrafo e ambientalista, Márcio Manoel, destaca a importância de se trabalhar o tema da sustentabilidade por meio da reciclagem e reaproveitamento com as crianças.

”Construir brinquedos com sucata. O fato de pegar brinquedos velhos, que já estão desativados, inoperantes, e ir compondo partes desse brinquedo até que ele volte a funcionar, é uma maneira e um jeito de unir aprendizado a lazer”, afirma.

O professor e ambientalista Márcio Manoel (Foto: Sagres TV)

Literatura e games

”Algumas livrarias disponibilizam diversos bons livros infantis que falam sobre reciclagem, com desenhos, muitas cores, diversificados, e isso chama a atenção da criança”, pontua. ”Gamificar. O que é isso? Jogos e games para crianças. Hoje toda criança, adolescente, a juventude, gosta disso. Existem alguns jogos e programas de games em que as crianças podem brincar com isso”, complementa.

Negacionismo

”Ou vem da escola o aluno conscientizando o pai, trazendo-o para o debate, porque tem pai que é negacionista, não está preocupado com isso. As crianças, não, elas estão muito ligadas. Tem criança que fala ‘pai, cadê a sacola de lixo para colocar na alavanca do carro?’, ‘pai, não jogue canudinho do lado de fora’, ‘bituca de cigarro’, ‘o coco que acabou a água’, ‘não jogue papel’, enfim. Muito disso é o aluno que fala, o adolescente, tem pais que não está nem aí, ou porque falta instrução ou não se interessa pelo tema”, argumenta Márcio Manoel.

Valorização e conhecimento

”Entre os principais desafios para a reciclagem de lixo no Brasil está uma prática comum no território brasileiro, que é a falta de conhecimento da população. A população não conhece bem como é feita a reciclagem. Pouca oferta de coletiva seletiva para o país. É importante que nós encarássemos o lixo de uma maneira diferenciada. Por quê? Desenvolvimento sustentável é o que vai manter águas, fauna, flora, oxigênio despoluído. Tudo isso tem relação com a vida, e dá para fazer isso ganhando dinheiro, ensinando as crianças, e tendo uma geração bem mais consciente”, conclui.

Para o professor João Batista, está na juventude a solução para conscientizar a população mundial e levar a semente da sustentabilidade adiante geração após geração.

”A escola é um lugar de formar opiniões. Se eu formo essa opinião com as minhas crianças, e elas levam isso para casa, é uma sementinha que vai se transformando e as pessoas vão começando a ter uma nova forma de consciência, que é a de produzir um lixo que não vá para os aterros sanitários, e o que chegar a ir para o aterro sanitário vai ser um volume bem menor. Então vai ficar mais fácil de trabalhar com esse material”, conclui.

Ex-aluno da Casa Verde, João Lucas tem a própria caixinha de recicláveis em casa (Foto: Sagres TV)