Norberto Salomão
Norberto Salomão
Norberto Salomão é Advogado, Historiador, Professor de História, Analista de Geopolítica e Política Internacional, Mestre em Ciências da Religião e Especialista em Mídia e Educação.

Javier Milei e o “elefante na loja de cristais”

Muitas vezes, para reforçarmos o sentido da ideia que queremos passar, nos valemos de elementos comparativos. Nesse sentido, a figura de linguagem denominada metáfora nos permite passar uma ideia, por vezes, com um certo toque de humor, ironia e até mesmo sarcasmo. Dessa forma, as metáforas discursivas, devidamente contextualizadas no âmbito sociocultural e temporal, se constituem em transmissoras eficazes de valores e ideologias e, sem dúvida, viabilizam uma poderosa estratégia argumentativa.

Assim sendo, os recursos simbólicos do discurso metafórico permitem expressar de forma mais palatável os nossos sentimentos, perspectivas e opiniões, sobre o mundo, as coisas, as situações e as pessoas. Além dos aspectos já citados, convém destacar que a maior ou menor eficácia da argumentação metafórica influencia diretamente a construção de um juízo de valor do interlocutor a qual é dirigida.

Tendo em vista a recente campanha presidencial na Argentina, em 2023, a vitória do histriônico candidato Javier Milei e as primeiras medidas adotadas pelo seu governo, veio-me à mente a metáfora do “elefante na loja de cristais” ou ainda do “elefante na loja de porcelanas”.

Arte: Diego Luiz

A metáfora do “elefante em loja de cristais” é, de certa forma, a representação da indelicadeza, da deselegância, do comportamento incivilizado e estabanado.  Apesar de minha total simpatia por esse querido paquiderme, propor sua presença em uma loja de cristais, com seu tamanho gigantesco, em que qualquer movimento pode quebrar uma ou mais das delicadas e preciosas peças, é propor a ideia de um desastre praticamente inevitável.

Bem, mas como essa metáfora se aplicaria ao senhor Milei? Nesse sentido, acredito que é fundamental observarmos suas ações e discursos, mesmo antes de se tornar presidente.

Desde 2015, o economista conseguiu espaço no meio televisivo argentino para divulgar seus ideais ultraliberais, como: diminuir o tamanho do Estado, cortar o gasto com aposentadorias e pensões, visando um “sistema de capitalização privado”, privatização de empresas públicas, dolarização efetiva da economia argentina, eliminação do banco central e reforma trabalhista que elimine as indenizações, substituindo-as por um sistema de seguro-desemprego. Ele ainda afirma que a crise climática é uma “farsa da esquerda”.

Gradualmente Milei foi se constituindo também em um fenômeno das redes sociais, tornando-se um personagem absolutamente midiático.

Sua popularidade garantiu, nas eleições legislativas de 2021, que ele e mais quatro companheiros da coalizão Liberdade Avança conquistassem cadeiras na Câmara de Deputados da Argentina. A partir de então ele se consolidou como líder de um movimento de extrema-direita ou, segundo suas palavras: “liberal libertário” ou “anarco-capitalista dinâmico”.

Em uma argentina desesperada pela crise econômica, com inflação anual acima de 100%, em 2023, sem que as vertentes políticas tradicionais oferecessem uma saída viável, Javier Milei foi conseguindo convencer uma parcela cada vez mais considerável de eleitores.

Nas eleições primárias, em agosto de 2023, com o apoio de seu jovem partido “A Liberdade Avança”, Milei conseguiu superar as duas maiores forças políticas do país: o peronismo/kirchnerismo da coligação “União pela Pátria” e o macrismo da coligação “Juntos pela Mudança”.

Durante a campanha do primeiro turno das eleições argentinas Javier Milei, como de costume, fez uma aparição bombástica. Apareceu ostentando nas mãos uma motoserra, símbolo das medidas que prometia adotar caso fosse eleito. O objeto em questão representaria o “corte de privilégios e a aniquilação das castas argentinas”.

Fica clara a estratégia de utilização de elementos metafóricos para se identificar com os anseios populares e que visa convencer não pela plausibilidade e racionalidade do discurso, mas sim pela passionalidade de uma população cansada e indignada com os partidos tradicionais. A imagem é grotesca, mas aos olhos de grande parte dos eleitores argentinos foi bastante persuasiva.

Javier Milei com motoserra na mão, em comício em La Plata – Argentina, em 12 de setembro de 2023 (AFP/AFP)

Contudo, uma perspectiva mais racional e crítica em relação a essas promessas radicais de campanha, é a de que o quadro que já é péssimo pode se agravar ainda mais, com propostas tão radicais.

O fato é que Milei venceu o segundo turno das eleições, inclusive com o apoio do ex-presidente Maurício Macri e, da candidata derrotada no primeiro turno, Patricia Bullrich. O resultado foi expressivo.

O ultraliberal derrotou o candidato peronista Sergio Massa, contrariando as pesquisas, que indicavam cenário mais acirrado. A vantagem foi de três milhões de votos, representando aproximadamente 56% do total de votos.

Milei venceu em 20 das 23 províncias que constituem a Argentina. Assim, Milei obteve a maior quantidade de votos da história em uma eleição presidencial na Argentina.

Na posse presidencial, em 10/12/2023, o discurso de Milei destacou-se por afirmar que chegava ao fim um tempo longo e triste, pois com ele se iniciaria o caminho para a reconstrução do país.

Assim, a mensagem central baseou-se em atribuir ao peronismo/kirchnerismo a culpa pela crise pela qual passa a Argentina. Por outro lado, colocou-se como aquele que dará início a uma “Era de crescimento e desenvolvimento, de liberdade e progresso”.

Mas, logo viriam as medidas polêmicas que têm levado aos constantes protestos por parte de seus opositores. Já na primeira semana de seu governo o novo presidente argentino e sua ministra de Segurança, Patricia Bullrich, impuseram um protocolo “para garantir a ordem pública”, que define as novas regras para a realização de manifestações públicas.

Entre as medidas repressivas constam: prender em flagrante quem fizer piquetes que impeçam a circulação total ou parcial do trânsito de pessoas e veículos e a perda de benefícios sociais para os que forem responsabilizados pelas manifestações.

Milei apresentou também um decreto com vários pontos radicais: dispensou aproximadamente 7 mil funcionários públicos que tinham sido contratados em 2023, pela administração de seu antecessor Alberto Fernandez; cortou o número de ministérios de 18 para 9; revogou a lei que não permitia a indicação de familiares para cargos no governo; estabeleceu o fim da lei que impede privatizações; reduziu a base de remuneração  dos trabalhadores e aumentou o período de experiência dos trabalhadores de três para oito meses.

Muitas das medidas propostas pelo presidente são necessárias, mas a maneira vertical com que têm sido estabelecidas, sua intensidade e alcance, podem tornar o “remédio” pior que a “doença”. O próprio Milei reconheceu que suas medidas causariam, em um primeiro momento, uma combinação entre estagnação econômica e alta de preços.

O grande problema de Milei é que ele não tem maioria no congresso argentino. Essa maioria é necessária para aprovar as suas medidas. Diante desse quadro desfavorável, o presidente chegou a insinuar que poderia governar por plebiscitos.

Caso adote esse tipo de prática estará atacando frontalmente a democracia, o equilíbrio entre os poderes, que são os principais “cristais da loja”, e assumindo como prática de governo uma espécie de autocracia, que teria que conviver com intensos protestos.

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