A última semana de junho, mais precisamente o dia 28, celebra o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+. A data representa décadas de luta por igualdade, respeito e, principalmente, combate à violência contra a comunidade. No entanto, a realidade no mercado de trabalho, por exemplo, parece estar longe dessa pauta.

Embora empresas que estimulem atividades pautadas na diversidade sejam beneficiadas com a imagem de inclusivas e justas, pessoas LGBTQIAPN+ ainda enfrentam muitos preconceitos para desenvolver suas carreiras no quadro corporativo, sobretudo em cargos de liderança.

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É o que mostra a tese de doutorado de Felipe Carvalhal, da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP. Feito entre 2021 e 2023, o estudo recebeu o título de “Liderança LGBTQIA+: carreira e atuação de líderes gays e lésbicas nas organizações”.

A pesquisa teve a orientação da professora Tania Casado, da FEA, e co-orientação do professor Sigmar Malvezzi, do Instituto de Psicologia (IP) da USP. Felipe analisou iniciativas de diversidade em organizações, considerando dinâmicas e desafios na trajetória de lideranças gays e lésbicas. 

O pesquisador realizou 20 entrevistas, sendo 15 com líderes autodeclarados gays e 5 lésbicas. A diferença na quantidade dos entrevistados se deve a uma das conclusões de Felipe na pesquisa: o perfil profissional é majoritariamente masculino, característica que facilita o alcance de homens a cargos de liderança.

Compensação

De acordo com o estudo, além de enfrentarem preconceito e discriminação, líderes homossexuais precisam mostrar alta performance em suas atividades. Seria uma espécie de compensação por integrarem a sigla LGBTQIAPN+. Além disso, eles ainda acumulam a responsabilidade de ser exemplo e ponto de conhecimento. 

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Em sua pesquisa, contudo, Felipe ressalta a importância de analisar a liderança considerando seu contexto social e organizacional. “Estruturas mais diversas e inclusivas contribuem para lideranças autênticas e influenciam o modo como as pessoas expõem sua sexualidade e suas relações com outros colaboradores”, afirma o pesquisador.

Entre as esferas sociais que interferem na carreira de lideranças LGBTQIAPN+, porém, está a educação escolar.

Modelo ‘super-homem’

A princípio, Felipe pôde observar um perfil profissional da liderança LGBTQIAPN+. “A liderança ainda é feita por homens cis, héteros e brancos, ou seja, o modelo ‘super-homem’”, brinca o pesquisador. 

Ele explica que isso se relaciona com uma “alta passabilidade hétero”, termo usado pelo autor para definir as pessoas que apresentam diversidade em sua orientação sexual, mas que não a deixam transparecer para a sociedade. “Trata-se de homens gays que se encaixam nos padrões masculinos estabelecidos pela sociedade, aproximando-se do perfil de homens héteros”, explica ele. “O machismo e a heteronormatividade nas empresas favorecem essas pessoas, para além de suas capacidades e qualificações”, complementa ele. 

Em uma de suas entrevistas, todavia, um homem gay disse a Felipe que já precisou convidar uma companhia feminina para frequentar festas de sua empresa. “Era final dos anos 1990, e ele não sabia como lidar com essa situação. Falar que era gay não era uma opção, ele não se sentia seguro o suficiente, com medo de ser prejudicado”, conta o pesquisador. 

Em outro momento, entretanto, alguns entrevistados LGBTQIAPN+ destacaram a necessidade de provar sua competência profissional em níveis mais altos, em comparação com pessoas heterossexuais. “Essa postura pode estar relacionada à teoria da compensação, na qual o estigma associado à sexualidade precisa ser compensado com um desempenho superior, levando em conta os estereótipos negativos que cercam essa população”, afirma Felipe em sua tese.

Orgulho e pertencimento

Por outro lado, Felipe recebeu líderes que utilizavam a pauta LGBTQIAPN+ como fortalecimento pessoal dentro de suas organizações. “Era como se a militância fizesse parte da atuação profissional dela. As questões que envolvem sua liderança possuem a perspectiva da diversidade, e ela vai colocar isso em suas ações”, afirma o pesquisador. Esses profissionais foram responsáveis por mudanças em seu cenário de trabalho, como equilibrar a quantidade de homens e mulheres e trazer mais pessoas LGBTQIAPN+ para integrar o quadro de colaboradores. 

Ao Jornal da USP, Felipe elenca meios de facilitar o alcance a cargos de liderança para pessoas de diversas orientações sexuais. “Começamos pela própria cultura da organização. Em ambientes abertos à pauta LGBTQIA+, as pessoas pertencentes a este grupo podem se sentir livres para se expressar e, inclusive, trabalhar melhor”, afirma ele. 

Nesse sentido, o pesquisador acredita que lideranças diversas servem como inspiração para aqueles que são recém-chegados às empresas. “A pessoa pode dizer ‘eu posso pensar grande, porque vejo pessoas iguais a mim em posições hierarquicamente superiores’”, exemplifica Felipe.

Conforme a pesquisa, startups e ONGs apresentam maiores preocupações com pautas LGBTQIAPN+ e possuem uma equipe mais diversa. Felipe acredita que esses locais de atuação estão mais relacionados com as questões atuais da sociedade. “Trata-se de pessoas que discutem esse tema há mais tempo e convivem melhor com assuntos de diversidade”, afirma ele. 

Raízes na educação

Felipe conta que a maioria dos líderes da pesquisa apresentava uma relação em comum com a educação. Alguns iniciavam sua vida laboral muito jovens, por questões financeiras, mas sem deixar os estudos de lado. 

“Um dos entrevistados me contou que seus familiares costumavam repetir a seguinte frase: ‘nós podemos passar fome, mas você não vai deixar de estudar’”, relata o pesquisador. “A educação para a família dessas pessoas sempre foi um ponto muito marcante”, complementa Felipe. Em seu estudo, a maioria dos entrevistados alcançou o ensino superior. 

Com informações do Jornal da USP

Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU) ODS 04, 08 e 10 – Educação de qualidade, Trabalho decente e crescimento econômico e Redução das desigualdades.

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