Vitalina e Maria Helena. Mãe e filha que juntas venceram o preconceito e realizaram o sonho de aprender a ler e escrever. Pra uma, mais conhecimento para o dia a dia. Aprender melhor as receitas que faz como merendeira. Pra outra, melhorar a caligrafia, a leitura e lançar um livro de poemas. Um deles, a “Rainha da Fazenda”.

Eu era aquela rainha que não tinha um castelo. Morava em uma fazenda, num ranchinho tão singelo

O córrego não tinha ponte. Se passava na pinguela. Até o nosso cafezinho era torrado na panela

Quando levantava cedo, veja como começar. A roda estava esperando, tinha linha pra dobrar

O monjolo estava socando o arroz para banar. Os companheiro esperando para almoçar

O comer ia pra eles levado numa gamela. com a nossa simplicidade, com os pratos tampava ela

Os companheiros chegavam, todos eles a rodeava. Era muito observados, pois nenhum garfo não faltava

Quando a merenda chegava, todos parava pra ver. Era a massa da mandioca chamada de manuê

Punha um queijinho ralado pra dar um gostinho ok. O danado era gostoso, todos queriam comer

As palavras de Dona Vitalina Inácia Neta, 81 anos, que mora em Morrinhos – na região sul de Goiás – junto com a filha Maria Helena, expressam a continuidade dos seus sonhos. No papel, ela conta histórias de coisas que viveu e ainda vive.

“Eu via minha mãe na fazenda. Aí pensei em juntar tudo o que lembrava e fazer um poema sobre ela e as coisas que aconteciam lá. Às vezes nossa vida tem uma história a cada dia. Então escrevo sobre tudo. Pego o que ouço, o que vejo e escrevo”, disse Vitalina, que ao lado da filha Maria Helena, 59 anos, se formou recentemente no projeto Projeto Alfabetização e Família, que atende jovens e idosos no estado de Goiás. Nos últimos quatro anos, foram alfabetizados 3.688 estudantes adultos em 149 municípios.

Dona Vitalina com o seu caderno de poemas Foto: arquivo pessoal

Nunca é tarde

Aquela expressão “nunca é tarde para começar”, atualmente resume o que aconteceu com Dona Vitalina e sua filha Maria Helena, que fez questão de demonstrar gratidão. Especialmente aos professores do projeto. As duas tiveram aulas de leitura, escrita e ainda cálculos básicos de matemática. De acordo com Maria, uma volta que valeu a pena depois de muito tempo sem estudar.

“Eu já tinha estudado, frequentado a escola na roça quando menina. Então senti que precisa voltar porque a gente esquece as coisas. Comecei do zero, levei vinha mãe e formamos juntas. Foi uma realização pra mim”, comemorou Maria Helena, que atualmente trabalha como merendeira do Colégio Estadual Coronel Pedro Nunes, em Morrinhos.

Segundo Maria Helena, a dificuldade em estudar quando era mais jovem se deu porque a família sempre acompanhava seu pai, que trabalhava em fazendas na região de São Luiz de Montes Belos. Ainda criança, com a mãe e os outros seis irmãos, nunca ficavam muito tempo em um lugar.

“A minha história é quase igual a de cigano. Meu pai mudava muito, Trabalhava em várias fazendas e nunca ficava parado. Então a gente vivia acompanhando”, lembrou Maria Helena que é mãe de três filhos.

Preconceito e insistência

Desde que decidiu voltar a estudar, Maria Helena teve de lidar com preconceito. Ala contou que pessoas próximas achavam que por ela ser “velha” não precisava frequentar as aulas do projeto.

“Tinha uns amigos de infância que me criticaram porque voltei a estudar depois de velha. Todavia não me importo. Estou crescendo. Queria ter mais conhecimento das coisas. Sou merendeira, quero aperfeiçoar os alimentos que preparo, entender melhor as receitas e levar isso daqui pra frente. Quero sempre aprender mais”, destacou Maria Helena, que ainda assim levou a Dona Vitalina de volta para a sala de aula.

“Estava passeando em São Luiz e minha filha, muito insistente, me ligou e disse pra eu voltar imediatamente, que ela tinha me matriculado na escola”, brincou dona Vitalina.

O sonho

Caderno de poemas de Dona Vitalina

Se Maria Helena voltou a estudar para compreender melhor as receitas que faz como merendeira e utilizar o que aprendeu no dia a a dia, afinal como ela mesma disse: “Quero levar o que aprendi daqui pra frente”. A dona Vitalina tem um sonho: escrever um livros com os seus poemas, contos e desenhos. São mais de 600 folhas escritas em um caderno.

“Gosto muito de ler. Gosto, principalmente, de poemas. Vou pra rua pra ver histórias e escrever e contar minhas histórias”, reiterou a dona Vitalina. Contudo, ela não quer ficar apenas no caderno e na caneta.

  • “Agora quero fazer informática pra aprender a mexer no celular, em seguida abrir um Instagram e fazer meus vídeos”.

Portanto, parar de aprender e conhecer coisas novas, parece não é uma opção para mãe e filha. “Agora sei que consigo ir além”, decretou Maria Helena, que formada e diplomada junto com a Dona Vitalina, em um ato de pura simplicidade, já no fim da entrevista, depois que contou sua história, demonstrou sua satisfação em poder ler e escrever.

“Estou muito feliz. Minha caligrafia está ótima”.

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