Um consórcio composto por 21 organizações da sociedade civil, com participação ativa no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), formalizou um apelo direto à Presidência da República, solicitando a rejeição integral do Projeto de Lei (PL) 2903/2023.

De acordo com a carta das organizações do Conama, o PL “representa uma grave ameaça aos direitos dos povos indígenas no Brasil e ao direito de todos (os brasileiros) ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, podendo comprometer a sobrevivência das populações originárias e romper a estabilidade climática da Amazônia”.

Os defensores do meio ambiente argumentam que essa proposta ameaça a preservação das terras indígenas de diversas maneiras, incluindo a possibilidade de extinguir terras já demarcadas, autorizar obras de grande impacto ambiental nessas terras sem consulta prévia às comunidades afetadas e permitir a entrada de monoculturas em áreas de alto valor ecológico. Além disso, há outras preocupações em jogo.

Nas últimos três décadas, enquanto as terras privadas perderam aproximadamente 20% de sua vegetação nativa original, as terras indígenas viram uma perda mínima de apenas 1,2%, o que equivale a 17 vezes menos desmatamento. Atualmente, essas áreas desempenham um papel vital na proteção de um quarto das florestas preservadas na Amazônia.

Contudo, se o projeto for sancionado, a situação mudará drasticamente, enfraquecendo as regulamentações de proteção ambiental nas terras indígenas, tornando-as mais vulneráveis do que as terras privadas. Esse cenário poderia resultar, nos próximos 30 anos, em um aumento significativo no desmatamento, calculado em mais de 21 milhões de hectares, uma área maior do que o estado do Paraná.

Terras Indígenas

A importância das Terras Indígenas na estabilização do clima, tanto nacional quanto global, é um dos principais argumentos contra o projeto. “Elas são as áreas mais preservadas no território nacional, servindo de verdadeiros escudos para o avanço do desmatamento. Atualmente, protegem 24% do que nos resta de floresta na Amazônia e 8% do Cerrado. As TIs são, por essa razão, fundamentais para o equilíbrio climático e para a conservação da biodiversidade”, diz a carta.

O PL proposto alteraria substancialmente as regras existentes de proteção das terras indígenas e dificultaria a demarcação de novas terras, introduzindo critérios baseados na tese do “marco temporal”, que recentemente foi desconsiderada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Além de proibir a demarcação de terras de onde os indígenas tenham sido expulsos antes de 1988, o projeto também estabelece várias regras que prolongariam os processos de demarcação, impedindo a retirada dos ocupantes até sua conclusão. Isso, de acordo com o pedido, poderia incentivar invasões e agravar a violência nas áreas.

As organizações concluem seu apelo reafirmando o compromisso com a defesa do meio ambiente, a responsabilidade dos membros do Conama e a proteção das gerações futuras: “No papel de Conselheiros do CONAMA, comprometidos com as políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais, entendemos que apenas o veto total ao Projeto de Lei 2903/2023 é capaz de reafirmar os compromissos assumidos junto aos povos indígenas, à sociedade brasileira e aos atores internacionais para garantir um futuro saudável e de respeito aos direitos humanos para todos os brasileiros”.

Outro pedido

Na mesma semana, o WWF-Brasil encaminhou uma petição direta ao Presidente da República, com cópias para os ministros Rui Costa, Marina Silva, Sônia Guajajara e Silvio de Almeida, solicitando a rejeição completa do PL 2903/2023. O projeto representa “o mais grave retrocesso na proteção jurídica a territórios indígenas já aprovado pelo Congresso Nacional”, segundo a organização.

Assim como nas preocupações levantadas pelas organizações do Conama, a petição destaca vários retrocessos na proteção das terras indígenas, como a autorização para a construção de rodovias nessas áreas, o que poderia facilitar a entrada de invasores sem precauções adequadas. O WWF Brasil baseia suas preocupações em pesquisas científicas que demonstram que os efeitos negativos desse projeto de lei serão sentidos por toda a população brasileira, não apenas pelos povos indígenas.

“Os territórios indígenas enviam para o restante da América do Sul, gratuitamente, todos os dias, 5.2 bilhões de toneladas de vapor de água, por meio da transpiração dos bilhões de árvores que preservam” e que “é essa umidade que vai formar as chuvas que permitem aos produtores brasileiros colher duas safras ao ano em grande parte do território nacional, tornando o país um campeão agrícola”, consta no documento. De acordo com um estudo da organização, há mais de 517 mil nascentes localizadas dentro das terras indígenas.

“A aprovação do PL 2903/23 e sua possível entrada em vigor, portanto, vai na contramão dos compromissos nacionais e internacionais assumidos, pois tornará impossível acabar com o desmatamento no país até 2030”, completa.

“O aumento no desmatamento em territórios indígenas, ou mesmo a diminuição na área coberta por esses territórios, como passaria a ser permitido caso entre em vigor o PL 2903/23, vai de encontro ao compromisso assumido pelo Brasil no âmbito do Acordo de Kunming-Montreal, adotado em 2022 na COP 15 da CDB (Convenção de Diversidade Biológica)”, diz a organização. O Presidente Lula está deve tomar uma decisão sobre o veto ao PL 2903/2023 até o final desta semana.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 10 – Redução das Desigualdades

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