Imagine que um sensor sustentável, que seja capaz de detectar níveis de glicose na urina. E que, além disso, o paciente com diabetes não precise mais da agulha na ponta do dedo para fazer essa medição. Pois foi essa ferramenta que pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) criaram.

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De acordo com os pesquisadores, no entanto, esse é o primeiro passo para monitorar a diabetes com base em outros fluidos como suor, saliva e lágrima, diminuindo a necessidade de perfurações na ponta dos dedos e idas aos centros de saúde.

Pessoas diabéticas precisam controlar o nível de açúcar no organismo continuamente. Normalmente essa aferição é feita em uma gota de sangue, com um pequeno furo no dedo. Com o novo método, porém, basta uma gota de urina para medir o nível de glicose. A pesquisa é inicial, porém o sensor poderia facilmente se conectar a um aparelho pequeno e de baixo custo.

A inovação foi desenvolvida por cientistas do Instituto de Física de São Carlos (IFSC), do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) e da unidade de pesquisa em instrumentação da Embrapa em São Carlos. O estudo tem a coordenação do professor Paulo Augusto Raymundo Pereira, do IFSC.

Medição tradicional é feita com uma gota de sangue tirada da ponta do dedo (Foto: Artem Podrez/Pexels)

Sem dor e sem invasividade

A alternativa tem como vantagem não ser dolorosa e invasiva. A perspectiva agora, no entanto, é criar dispositivos que se conectem a centrais que acionem equipes de saúde quando houver detecção de riscos.

O estudo foi publicado na edição de fevereiro de 2023 da revista ACS Sustainable Chemistry & Engineering. O título: Flexible, Bifunctional Sensing Platform Made with Biodegradable Mats for Detecting Glucose in Urine.

O professor Paulo Ayugusto explica que as pesquisas avançam em busca de medir esse e outros índices moleculares através da coleta de fluidos sem a necessidade de agulhas.

“Hoje em dia isso é feito com os glicosímetros que se compra em farmácias. Porém é necessário fazer uma punção na ponta dos dedos para coletar uma gota de sangue. É um procedimento inconveniente e um pouco dolorido, principalmente para quem monitora várias vezes ao dia”, argumenta.

Menos exposição a doenças

Fonte: Paulo Augusto Raymundo-Pereira

Não precisar ir ao laboratório ou hospital para fazer exames também evita que pessoas em grupos de risco sejam expostas vírus e outras infecções.

“Os dispositivos que nós desenvolvemos para monitorar biomarcadores químicos que indicam status da saúde também poderiam ser acoplados a outros sistemas, diminuindo a necessidade de ida até o hospital”, comenta o professor.

Para medir a quantidade de glicose na urina, porém, o mecanismo utiliza a enzima glicose oxidase, que quebra o açúcar em estruturas menores, liberando peróxido de hidrogênio. Assim, o sensor eletroquímico consegue medir a quantidade de peróxido formado e estimar a quantidade de açúcar no organismo do paciente.

Material biodegradável

A fabricação da manta que serve como suporte ocorre através de uma fiação com um sopro de ar comprimido, uma injeção de solução de ácido poliláctico e polietilenoglicol e um motor que coleta as fibras. Os sensores são impressos sobre o tecido por meio da deposição da tinta de carbono em telas de serigrafia, o mesmo processo usado para estampar camisetas e sacolinhas plásticas. Embora seja descartável, o material é totalmente biodegradável.

(A) Ilustração da montagem experimental para produzir as mantas. (B) Imagem da manta contendo quatro dispositivos impressos à direita. (C) Eletrodos auxiliares. (D) Mantas de fibra de fiação por sopro de ácido poliláctico e polietilenoglicol. (E) Superfície do carbono. (F) Imagem da superfície de carbono coberta com nanopartículas de pigmento azul (Fonte: Paulo Augusto Raymundo Pereira)

O método de produção das mantas de fibra de poliácido lático e polietilenoglicol é do Laboratório Nacional de Nanotecnologia para o Agronegócio (LNNA), da Embrapa Instrumentação. A preparação usa a técnica de fiação por sopro de solução contendo uma mistura de polímeros com clorofórmio e acetona. Além de ser sustentável, o tecido é a prova de acúmulo de microrganismos.

Baixo Custo

O novo biossensor é flexível e foi capaz de detectar glicose tanto em urina sintética quanto a partir da coleta de um voluntário. Foi possível observar a substância até o limite mínimo de 0,000197 mol para cada litro de fluído. Esse nível é mais do que suficiente para a detecção de glicose na urina e em outros fluidos corporais, cuja concentração é cerca de cem vezes menor do que no sangue. A vantagem em relação a outros biossensores não invasivos é o seu baixo custo. 

O estudo torna viável a construção de uma tira com sensores de 3 cm e com um gasto menor que US$ 0,25 por unidade, o equivalente a R$ 1,30 se considerarmos a taxa de câmbio média em 2022. Além disso, o biossensor apresenta resposta rápida e longo tempo de vida útil.

O biossensor suporta variações de acidez e de temperatura maiores que outros dispositivos. A novidade na arquitetura está na fixação direta da enzima nas fibras sem a deposição nos eletrodos.

A estratégia pode ser adaptada para medir concentrações de glicose na pele dos pacientes, através do suor. Os pesquisadores também esperam integrar o sensor a dispositivos móveis, armazenando as coletas em uma nuvem de dados que processe informações personalizadas.

A possibilidade de desospitalização por meio de equipamentos como esse é uma demanda crescente dos profissionais da saúde. Segundo o relatório de 2015 da Federação Internacional de Diabetes (IDF), a previsão é de que 642 milhões de pessoas no mundo tenham diabetes até 2040. Em 2014, eram pouco mais que 422 milhões de pacientes nessa condição. 

Com informações do Jornal da USP

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