Arthur Barcelos
Arthur Barcelos
Apaixonado por futebol e geopolítica, é o especialista de futebol internacional da Sagres e neste espaço tem o objetivo de agregar os dois temas com curiosidades e histórias do mundo da bola.

Com guerra ainda sem desfecho, Ucrânia retoma campeonato de futebol

Na última quarta-feira (24), foram completados seis meses desde a invasão da Rússia à Ucrânia, iniciada em 24 de fevereiro. Desde então, mais de 12 mil civis foram mortos durante o conflito, com outras mais de 30 mil mortes de soldados e milhões de refugiados. Em meio à tensão pela ameaça nuclear, a guerra parece longe de um desfecho.

De toda forma, apesar do perigo por novos ataques russos, a semana na Ucrânia foi marcada por eventos especiais para o nacionalismo ucraniano. Afinal de contas, na terça-feira (23) foi comemorado o Dia Nacional da Bandeira ucraniana, enquanto o dia seguinte marcou os 31 anos de independência da Ucrânia da União Soviética.

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As datas motivaram o retorno do futebol no território ucraniano, paralisado desde dezembro de 2021. Tradicionalmente, durante o período mais severo do inverno europeu, o campeonato é pausado entre os meses de dezembro e fevereiro. O retorno da liga estava marcado para 25 de fevereiro. Um dia antes, a Rússia realizou os seus primeiros ataques.

Depois da suspensão das atividades, a primeira divisão do Campeonato Ucraniano foi oficialmente terminada em abril, com o cancelamento das rodadas restantes e sem a definição de um campeão ou rebaixados. Na última terça-feira, a bola rolou pela primeira vez para a temporada 2022/23, no jogo entre Shakhtar Donetsk e Metalist 1925.

Jogadores de Shakhtar Donetsk e Metalist 1925 reunidos antes do jogo inaugural do Campeonato Ucraniano 2022/23 O lateral brasileiro Lucas Taylor, ex-Palmeiras, fez o caminho inverno de outros compatriotas e trocou a Grécia pela Ucrânia (Foto: Divulgação/FC Shakhtar)

Ironicamente, o duelo marcou o encontro de dois clubes da região mais afetada da Ucrânia, o leste. O Shakhtar, de Donetsk, hoje um território ocupado pelo exército russo, enquanto o Metalist, de Carcóvia, uma das cidades mais atacadas. A partida aconteceu no estádio Olímpico de Kiev, onde o Shakhtar sedia seus jogos desde a pandemia.

Muito antes da Rússia invadir a Ucrânia, o clube já tinha sido afastado de Donetsk por conta da ocupação da região por rebeldes pró-Rússia, que instituíram a República Popular de Donetsk. Há oito anos, o Shakhtar não joga mais em sua casa e, após passar por outras cidades, desde então adotou a capital do país como sua nova sede.

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O retorno do Campeonato Ucraniano teve o apoio do governo de Volodymyr Zelensky, que enxergou na competição uma forma de tentar dar um pouco de normalidade ao país. O pontapé inicial foi dado por um soldado torcedor do Shakhtar. Inclusive, entre as condições para a realização dos jogos, está a presença de militares nos estádios.

Os torcedores, por outro lado, ainda não têm acesso aos palcos dos jogos. A Federação Ucraniana de Futebol escolheu 11 locais para receber a competição, localizados na região da capital Kiev e no oeste, a parte menos afetada pela guerra no território ucraniano. Sirenes para aviso de bombardeios e abrigos antibomba são a nova realidade nas arenas.

Questionado sobre o que significa voltar a disputar o Campeonato Ucraniano, o treinador Igor Jovićević destacou que “significa que estamos vivos. O Shakhtar está vivo, o futebol ucraniano está vivo. Claro que não é a mesma coisa sem os fãs nas arquibancadas, mas trabalhamos mesmo assim. Daremos o nosso melhor, porque isso é o mínimo que podemos fazer para mostrar respeito pelo país inteiro e pelas pessoas que estão lutando por nós”.

O técnico croata, de 48 anos, que trabalhou por dois anos no Dnipro antes de ser contratado pelo Shakhtar, é uma das tantas caras novas do clube desde a invasão. Antes de Jovićević, o italiano Roberto De Zerbi era o comandante técnico. Como muitos brasileiros e estrangeiros, se desvincularam do clube diante do futuro incerto e da insegurança.

O lateral brasileiro Lucas Taylor, ex-Palmeiras, fez o caminho inverno de outros compatriotas e trocou a Grécia pela Ucrânia (Foto: Divulgação/FC Shakhtar)

Além de ser um entretenimento para o povo ucraniano, o retorno do campeonato também foi motivado pela própria existência dos clubes, extremamente afetados pelo conflito. Desna Chernigov e Mariupol, equipes de duas cidades devastadas pelos ataques russos, tiveram que cancelar suas operações nesta temporada, com suas estruturas destruídas.

“Sentimos falta das competições. Não jogamos nenhum campeonato por nove meses. É uma grande responsabilidade entrar no estádio e jogar o Campeonato Ucraniano depois de todo esse tempo. Estamos demonstrando ao mundo que estamos vivos, que estamos aqui, que também lutamos do nosso lado e que a vida não acaba aqui”, afirmou Jovićević.

Segundo o treinador do Shakhtar, “o futebol proporciona emoções fortes a todos os torcedores, assim como aos soldados que estão lutando agora. Houve muita adrenalina desde que chegamos a Kiev e hoje, quando acordei de manhã com o som das sirenes. Isso é adrenalina, isso é o medo te empurrando para frente”.

Na nova realidade do futebol ucraniano, os representantes do país nas competições internacionais não podem realizar seus jogos como mandante em casa. No Grupo F da Liga dos Campeões, o Shakhtar receberá Real Madrid, Leipzig e Celtic em Varsóvia, capital da Polônia.

Assim como o Dinamo Kiev, em Cracóvia, outra cidade polonesa, e que está no Grupo B da Liga Europa ao lado de Rennes, Fenerbahçe e AEK. Já o Dnipro, no Grupo E da Liga Conferência, enfrenta AZ, Apollon Limassol e Vaduz na Eslováquia.

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