Na tarde deste domingo (6), às 15h30, no estádio Divino Garcia Rosa, a partida entre Goiatuba e Vila Nova, válida pela última rodada da fase de classificação do Goianão 2022, terá um retorno importante dentro dos gramados. Não se trata de um craque em algum dos times em campo, mas sim a presença feminina no comando da arbitragem.

A responsabilidade estará a cargo de Michelle Safatle, do quadro de árbitros da Federação Goiana de Futebol (FGF) e que realizará a sua estreia como árbitra principal em um jogo da primeira divisão do campeonato masculino. Ao seu lado estará a assistente Jordana Pereira, assim como os experientes Fabrício Vilarinho e Osimar Moreira.

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Michelle será a primeira mulher a comandar um jogo da principal divisão do Campeonato Goiano desde Sirlei Cândida, que apitou partidas importantes no cenário estadual e nacional nos anos 2000. Em contato com a reportagem da Sagres, Sirlei, hoje aposentada do futebol profissional, relembrou a carreira e as barreiras que teve que superar.

O início da carreira

“A minha trajetória”, relata Sirlei Cândida, “começou com eu sendo atleta, jogadora de futebol. Joguei na rua da minha casa, em Anápolis, e depois fui contratada para jogar na Anapolina. Fizemos um jogo contra o Ponto Frio, que era uma grande equipe de Goiânia, como a preliminar do clássico Galo x Rubra (Anápolis x Anapolina)”.

“Depois disso, fui contratada pelo José Osvaldo Ribeiro, do Ponto Frio, que me levou para Goiânia. Também trabalhei no Ponto Frio enquanto atuava na equipe, onde fui campeã goiana. Atuei ainda em outros clubes, como Goiânia, Monte Cristo e Aliança, depois joguei futsal por Evangélica, Goianésia e Catalão”, relembrou.

Já a trajetória na arbitragem iniciou nos campos de terrão da capital goiana. “Apitei bastante, era ‘a Rainha do Terrão’”, brinca Sirlei, que contou que “surgiu uma oportunidade do curso de arbitragem de futsal. Tomei gosto e também fiz o curso de futebol society. Então surgiu a oportunidade de ingressar no curso pela FGF”.

A partir do futebol profissional, “surgiram oportunidades e cheguei onde cheguei, graças a Deus, com muito orgulho e dedicação, vencendo preconceitos e barreiras, mas provei que não precisa ser discriminado. Aprendi como um homem dentro de campo, e mostrei a determinação que é o profissionalismo da mulher”.

Sirlei Cândida já comandou um clássico Vila Nova x Atlético no OBA; ao seu lado na foto, as assistentes Elisângela Sueli e Célia Olinto e os capitães Fabinho e Túlio (Foto: Arquivo Pessoal)
Barreiras quebradas

Para atingir o seu nível, Sirlei teve que superar muitos problemas dentro da estrutura do futebol. Segundo a árbitra, “quando entrei na federação e ganhei o primeiro escudo, o CBF, começaram os ciúmes dos meus próprios colegas, em que na época éramos 300. Aquilo não era fácil de entrar, porque eu era a única mulher no meio daquele monte de homem”.

“Mas eles não levavam em consideração que eu tinha postura profissional e que tinha aprendido com eles. Quando mostrava competência, atingia alguns, que nunca tinham conseguido um escudo CBF. Por diante, ganhei o escudo Fifa, que foi pior ainda. Muitos árbitros e até mesmo diretores de arbitragem ficavam sem me escalar”, revelou.

Em meio às oportunidades escassas, “quem me escalava eram os meus jogos, e a mídia também me ajudava. Falava bem de mim, dos jogos que não deram problema. O meu diretor não me escalava durante uns cinco ou seis jogos, e a mídia cobrava por que eu não estava apitando. Então eu reaparecia”.

Além da resistência dentro da federação, Sirlei também teve que enfrentar as discriminações e comentários machistas de dirigentes, como do esmeraldino Hailé Pinheiro, como recordou que “apitei em 2001 um Goiás x Vila, quando fiz 17 jogos, e fui sorteada para fazer o clássico, veio a discriminação e o preconceito do Senhor Hailé”.

“Ele disse que ‘com tanto homem na federação, uma mulher é escolhida?’ e que eu não tinha capacidade para apitar o clássico. Apitei, o Finazzi fez o gol e deu a vitória para o Vila Nova. Terminando a partida, perguntaram ao Senhor Hailé ‘o senhor falou que a mulher não teria condições, nem capacidade de apitar’, e ele respondeu ‘o jogo foi muito fácil para ela’”, recordou.

Sirlei Cândida e as assistentes Elisângela Sueli e Célia Olinto (Foto: Arquivo Pessoal)

“A discriminação e o preconceito”, segundo Sirlei, “nunca deixarão de existir. Dos meus colegas de trabalho, dava para contar nos dedos os que me apoiaram. Também tive muito apoio para entrar de Milton Bueno, Jair Lima e Lindonor Ribeiro. Esse é o meu padrinho na arbitragem, ele me ajudou a operar os dois joelhos para poder atuar. Além do doutor Edmundo, ao qual ele fez o pedido e realizou essas cirurgias”.

Final da carreira

Sobre a sua saída do quadro de árbitros da FGF, Sirlei Cândida explicou que “na arbitragem, na minha época, como prestadores de serviço, aos 45 você encerra a carreira. Hoje, não, é até os 50. Aos 44, houve um problema na minha vida pessoal e quando tentei resolver, a minha idade já tinha estourado. Então, não me tiraram: a idade tira você”.

“Depois disso, voltei para o amador, onde apito até hoje aqui na arbitragem de Anápolis, na LAD – Liga Anapolina de Desportos. Faço a primeira e segunda divisões até hoje. Gosto muito de atuar na arbitragem, que é uma coisa que faço por amor”, frisou a árbitra, que agora acompanha com orgulho a ascensão de Michelle Safatle.

“Eu desejo à Michelle, e à nossa assistente, que seja feliz na arbitragem, que faça por amor, porque fará a diferença. Se ela gosta do que faz, tudo dará certo. Eu torço para ela, porque é uma guerreira. Só de entrar no meio masculino, já é uma guerreira. Ela vai superar e vencer, e todos terão que respeitar a sua figura de árbitra dentro de campo”, destacou.