O Brasil tem o maior número de imigrantes venezuelanos reconhecidos como refugiados na América Latina. Ao todo, cerca de 300 mil pessoas deixaram a Venezuela desde 2016, mas com maior intensidade a partir de 2019, por conta da crise humanitária e do regime ditatorial no país. Desse total, ao menos 3 mil escolheram o estado de Goiás como residência para um novo futuro.

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O caminho é longo, passando pela principal porta na fronteira, a cidade de Pacaraima, no norte de Roraima. De lá até Goiânia, são quase 5 mil quilômetros percorridos por famílias com a de Oneida Jimenez. Primeiro veio o marido e, depois, ela trouxe os filhos em busca de um novo futuro.

“Eu vim no primeiro mês depois que meu marido chegou aqui. Saí da Venezuela. Falei para ele que não dava para ficar na Venezuela e peguei meus dois filhos. Lembro que falei para meu pai e ele ficou impressionado”, relata a refugiada. “É um país dolarizado onde a moeda não é o dólar”, afirma.

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Oneida relata as dificuldades enfrentadas e a realidade de falta de alimentos. “A gente não conseguia um quilo de arroz ou um litro de óleo. Tínhamos que fazer filas enormes para comprar um frango ou um leite. Para muitos é inacreditável, mas é a realidade que vivemos. Nós tomamos a decisão de sair para um futuro melhor para nossos filhos”, relata a venezuelana, que chegou ao Brasil em 2019.

Assim como Oneida, Goiás tem hoje pelo menos 3 mil imigrantes vindos da Venezuela, mas recebe ainda outros 500 haitianos, 200 bolivianos e outras 200 pessoas que migraram da Colômbia. Em todos os casos, o desafio é garantir segurança alimentar e renda para as famílias que chegam.

Indígena venezuelana pede doações em semáforo no Setor Pedro Ludovico, em Goiânia. (Foto: Rubens Salomão)

Fome e desemprego

A professora da Universidade Federal de Goiás (UFG), Andrea Vettorassi, pesquisa fluxos migratórios há 20 anos e aponta que as principais demandas são a fome e a regularização de documentos para que os imigrantes possam encontrar qualificação profissional e buscar novos empregos.

“Eles não estão vindo para cá em condições estruturais mínimas para encontrar emprego e moradia adequados ou acesso à educação e à saúde. Estão vindo em condições bastante degradantes. Estão vindo, muitas vezes já devendo dinheiro para quem conseguiu trazê-los até aqui e sem a alimentação básica adequada”, conta a professora.

Andrea Vettorassi é coordenadora-geral da Cátedra Sérgio Vieira de Mello e doutora em sociologia que há mais de 20 anos estuda fluxos migratórios. Segundo ela, o estado, tanto na gestão federal quanto no âmbito estadual deve “combinar atividades da sociedade civil com políticas públicas específicas”.

Na prática, depois da recepção e registro pela Polícia Federal e o Alto-Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR), os imigrantes venezuelanos que saem de Roraima e chegam a Goiás são buscados pela Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social (SEDS).

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Oportunidade

O trabalho estadual é coordenado pela Superintendência de Recursos Humanos da SEDS com divisão entre o apoio para alimentação e acesso à saúde dos imigrantes e a orientação e encaminhamento para regularizar documentos, qualificação profissional e até, eventualmente, a busca por vagas de emprego.

“Precisamos acolher inicialmente e o acolhimento passa pelo cuidado da comida. Eles mesmos procuram os lugares onde vão morar, onde tem famílias perto, mas precisam de auxílio para o emprego, por exemplo. A Secretaria de Desenvolvimento Social, em parceria com a Secretaria da Retomada, busca essas vagas de emprego e oferece para eles”, explica a superintendente Ana Luísa Freire.

Segundo ela, há inclusive empresas que fazem questão de ocupar vagas de trabalho com estrangeiros, principalmente venezuelanos, por compreenderem o papel social a ser cumprido. “Tem empresas que querem os venezuelanos e nós encaminhamos e acompanhamos, porque incialmente há muitas dificuldades referentes à língua ou à cultura”, diz Ana Luísa.

Solidariedade

Depois de tanta distância superada, os migrantes que chegam a Goiânia ainda enfrentam os desafios do preconceito, falta de comida e do desemprego. E, muitas vezes, a solução vem da solidariedade.

Uma das instituições de caridade que apoia os refugiados é a OSCEIA (Obras Sociais Do Centro Espírita Irmão Áureo), que chegou a dar moradia e qualificação profissional a mais de 30 famílias em 2019. Agora, tem entrega de alimentos frescos toda sexta-feira, além de apoio na busca por empregos.

As venezuelanas Marian Jose Rodrigues e Jeancarla Isabel Cristina comparecem em toda sexta-feira para receber cestas de verduras e legumes. Elas ainda recebem orientações sobre emprego. “Ajuda sim, em casa. Porque a verdura é importante para o nosso consumo e nem sempre conseguimos comprar”, afirma Jeancarla.

Já Marian elogia o trabalho da OSCEIA e agradece em especial à atenção da assistente social Luzia Martins. “Isso melhora um pouco porque a situação de nós venezuelanos não está muito boa para conseguir remédios, hospital e outras coisas. Mas estamos trabalhando para um futuro melhor para nossos filhos e uma educação melhor”, diz.

Jeancarla e Marian buscam cestas com verduras acompanhadas das filhas, na OSCEIA. (Foto: Rubens Salomão)

E toda ajuda é bem-vinda. O contato para auxiliar o trabalho da OSCEIA pode ser feito pelo telefone (62) 3297 3117 ou diretamente na sede da entidade, na Rua Dom Pedro II, esquina com Rua da União, no Jardim Nova Esperança, em Goiânia.

Futuro

E a Oneida? Depois de dois anos em Goiânia, ela e o marido estão empregados e o futuro da filha mais velha começa a ser desenhado por meio da Educação. Ela conseguiu uma bolsa para cursar direito em faculdade da capital.

“Meu futuro está aqui, em Goiânia. Penso em voltar para Venezuela no futuro, mas voltar para cá. Meu maior desejo é trazer meu outro filho e meu pai para Goiânia”, planeja.

Repense

Esta reportagem integra a série Repense desenvolvida pelo Sistema Sagres de Comunicação com o apoio da Fundação Pró Cerrado. Ao longo de 12 episódios vamos aprofundar sobre temas relativos ao combate à fome e formas alternativas de produção de alimentos, ligados ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 02 da Organização das Nações Unidas (ONU), que é “Fome Zero e Agricultura Sustentável.

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