Sagrado. Essa é a palavra que deve ser usada quando o assunto for meio ambiente. Isso porque todo recurso que possibilita a vida tem que ser considerado sagrado. A Terra tem recursos finitos e é preciso cuidar do que é disponibilizado para todos os seres vivos. Outra palavra que pode ser classificada como sagrada é a sustentabilidade, pois é uma maneira de cuidar dos recursos e viabilizar, no presente, ações que transcendem o comum e podem garantir um futuro melhor.

O tema sustentabilidade, inclusive, tem se tornado comum nos últimos anos. Alguns dos exemplos citados são a busca, por parte de empresas, pela redução do uso de papel dentro dos escritórios e ações promovidas por Organizações não Governamentais (ONGs) com foco no combate a incêndios e preservação de matas ciliares. Iniciativas, hoje, não faltam.

Sustentabilidade no campo

A ONG Aliança da Terra, criada em 2004, atua em diversas frentes, com brigadas de combate ao fogo, recuperação de quelônios, além de gestão de unidades de conservação, com auxílio a produtores rurais. A CEO do Produzindo Certo e membra do Conselho da ONG Aliança da Terra, Aline Locks, detalhou à Sagres que a ONG nasceu com intuito de desmistificar a palavra sustentabilidade para os produtores rurais. “Para fazê-los entender a propriedade sobre essa perspectiva também, sob a ótica ambiental, social e, também, produtiva”, explicou Aline.

Para auxiliar esses produtores, a Produzindo Certo, um dos braços da Aliança da Terra, realiza um diagnóstico com medições do quão sustentável esse produtor tem sido e traça um planejamento para que ele atinja melhores resultados.

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“A ideia é levar algo bem palpável para o produtor. É realmente medir a sustentabilidade na propriedade dele. Então, temos um protocolo que engloba desde a análise da água na propriedade às práticas de conservação do solo, além de questões sociais referentes aos funcionários, como a parte da infraestrutura, alojamento e áreas de vivência”, declarou Aline.

Aline Locks – CEO do Produzindo Certo e membra do Conselho da ONG Aliança da Terra

Após o diagnóstico e a montagem do plano de ação, a Produzindo Certo passa a acompanhar o produtor, monitorando a evolução da performance ambiental. “A partir daí, nosso foco é buscar as melhores oportunidades para este produtor, negócios que também querem garantir o resultado ambiental dessas propriedades”, ressaltou a CEO.

Essa é uma das maneiras de avançar para uma sustentabilidade mais concreta, na visão de Aline, como a possibilidade de obter melhores oportunidades através de ações sustentáveis, com empresas, produtores e ONGs que se conectam a partir do compartilhamento de um ideal. “Então, trazemos um financiamento para este produtor, que de alguma maneira valida esse resultado ambiental também”, comentou.

Aline relatou ainda que as principais adequações que os produtores rurais precisam fazer, em geral, são relacionadas à infraestrutura. Muitas delas, inclusive, não foram executadas antes por desconhecimento. “O produtor faz uma área de armazenamento de combustível, por exemplo, na propriedade dele, e não tem a informação de quais regras essa área de armazenamento precisa seguir. Há um conjunto de regras e normas que os produtores não seguem, não é porque não querem ou querem fazer errado mesmo, é porque não tem a informação”, explicou a conselheira.

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Além destas ações, a Produzindo Certo também incentiva os produtores a trabalharem pela recuperação de matas ciliares, áreas que ficam ao redor de rios e precisam ser preservadas. “Muitos produtores falam que têm um passivo de mata ciliar, mas não sabem quanto, para poder colocar essa adequação dentro do planejamento. A largura dessa preservação depende do tamanho do rio, então a gente faz toda essa medição e leva para eles”, informou Aline.

Para efetivar as adequações sugeridas pela ONG, conforme a CEO da Produzindo Certo, o produtor rural deve levar em consideração os recursos humanos e financeiros antes de tomar cada decisão. “Em resumo, a infraestrutura e as áreas de preservação permanente, as matas ciliares, são os principais pontos que precisam de adequação”.

Sustentabilidade na cidade

Luiz Carlos Ongaratto – professor e especialista em economia

Não se discute a necessidade de incentivo financeiro para que produtores e empresários possam realizar ações sustentáveis. E, sobre isso, o professor e especialista em Economia, Luiz Carlos Ongaratto, reforçou que não é possível “dissociar economia e sustentabilidade”. Para ele, o provimento de incentivos para grandes empresas e agricultores é um modo de iniciar o trabalho em prol do tema, pois mesmo que a ação individual também cause danos ao meio ambiente, não se compara com os efeitos de grandes produtores e empresas que usam mais energia e água, além de produção de rejeitos em grande escala.

Segundo o economista, as ações sustentáveis precisam ser encabeçadas pelas grandes empresas, pois, geralmente, elas servem de exemplo. No entanto, esse é apenas uma parte do processo e outras áreas da sociedade também precisam ser incluídas. “A sustentabilidade está ligada a todas as ações, desde o governo, às empresas, ao agronegócio e, também, ao consumo das famílias, das pessoas. Isso tem que permear a nossa sociedade como um todo. Não pode ser uma ação isolada que vai trazer um crescimento econômico sustentável”, argumentou.

Luiz deixou claro que quando fala de crescimento econômico sustentável, também compreende a questão da desigualdade, pois é discutível, hoje, um crescimento econômico que tenha como efeito colateral o aumento da diferença na qualidade de vida das pessoas. “É preciso pensar numa redistribuição, na criação de um ambiente mais amigável para micro e pequenas empresas, para elas poderem nascer, porque são elas as grandes empregadoras de pessoas”, declarou.

Geração de energia limpa e sustentável

Nesse aspectos de redução da desigualdade social e fomento da economia de pequenas e microempresas, o economista citou a geração de energia como um dos objetivos chaves. O primeiro ponto observado é a diferença do consumo de energia das grandes empresas e as demais, sendo que elas compartilham o mesmo sistema, hoje, no Brasil, mais concentrado em hidrelétricas.

Para Ongaratto, o investimento em outras fontes de energia, com a possibilidade de o poder público oferecer uma linha de crédito para que micro e pequenas empresas invistam, por exemplo, em energia fotovoltaica, através da instalação de painéis solares, é uma opção. “A gente precisa ter uma nova mentalidade, que é a economia de carbono. A economia dos combustíveis fósseis está ligada ao passado e não ao futuro”, destacou o economista.

Este pensamento é compartilhado com o engenheiro civil Ricardo Mirisola, que falou à reportagem da Sagres sobre a importância do investimento em novas fontes de energia não apenas por uma questão de crescimento econômico sustentável, mas em função da emergência climática.

Ricardo Mirisola – engenheiro civil

“A energia eólica já tem uma boa quantidade implantada, principalmente, no Nordeste. A solar fotovoltaica está começando a crescer, mas para dar certo, é preciso distribuir a geração, cada pessoa ter a sua própria central fotovoltaica em casa, no condomínio, fazer uma ‘mega’ central de geração de energia solar. Para que isso funcione, é necessário fazer a descentralização da geração”, detalhou Ricardo.

Uma alternativa, segundo o engenheiro, é adequação de uma política pública, com incentivos fiscais, para a implantação de painéis fotovoltaicos, que ainda tem um valor elevado e, por isso, os consumidores demoram a perceber o retorno financeiro. “Por que uma empresa investiria nisso? O Governo precisa dar uma isenção fiscal em alguma esfera para que compense […] é assim que se convence empresas, mostrando que dá resultado financeiro”, assegurou.

Vale ressaltar que após “se pagar”, a energia fica consideravelmente mais barata para a pessoa que investiu na energia solar. A partir daí, o único gasto é com a manutenção dos painéis, que tem longa duração.

A geração de energia no Brasil é feita, em sua maioria, por grandes hidrelétricas. Apesar de serem consideradas energia limpa, quando comparadas às usinas nucleares e termelétricas, elas não são as ideais. “Essas grandes hidrelétricas que a gente usa não têm combustível queimando, mas geram impactos ambientais significativos. Os grandes lagos usados como reservatórios mudam ecossistema e clima”, exemplificou o engenheiro.

Sobre a dependência do Brasil em relação às hidrelétricas, o economista Luiz Ongaratto também demonstrou preocupação, sobretudo por conta das incertezas relacionadas à falta de chuvas e a, consequente, diminuição da vazão. Segundo o professor, isso pode atrapalhar uma eventual recuperação econômica. “Se a economia voltar a crescer, não pode ter a mesma base anterior, porque os combustíveis fósseis, à base de petróleo, já estão muito caros. As hidrelétricas não são mais eficientes como eram no passado e a gente não tem alternativas viáveis para uma geração de energia em massa”, avaliou.

Ainda segundo do economista, apenas a criação de diferentes fontes de energia não será capaz de causar o efeito necessário para que o Brasil cresça de maneira sustentável. “Há um leque de possibilidades para trazer sustentabilidade à sociedade e, também, aos negócios. E, para isso, a gente precisa ter, não somente gasto púbico com subsídio, mas uma campanha de conscientização e de facilitação disso, porque, senão, as pessoas não vão entender a urgência e a importância de ter um negócio sustentável”.

Para o engenheiro civil, Ricardo Marisola, não há dificuldades para implementação de novas fontes de energia. Essas implantação pode começar a ser feita a qualquer momento, pois mesmo que gere um volume menor de energia, a instalação de turbinas eólicas e painéis fotovoltaicos é muito mais rápida que a construção de uma hidrelétrica.

“É viável, mas é um trabalho de formiguinha, do dia a dia, tem que ir implantando e fazendo, não é fazer uma grande obra, como foi a Usina Hidrelétrica de Itaipu, que é feita uma barragem e no dia que você põe pra rodar, a quantidade de energia que produz é gigantesca. Nesse outro caso tem que ir aos poucos, dando incentivo, fazer as pessoas implantarem, começando de um em um e crescer gradativamente para que seja significativo”, explicou Ricardo.

Na Europa e na Ásia, alguns países estão encerrando as operações de usinas termelétricas e nucleares, enquanto outros, como Alemanha e Espanha, por exemplo, têm data para interromper a geração de energia por essas fontes. Ricardo afirmou que não é possível mensurar o grau de influência dessas usinas para o aquecimento global, mas que esta ação tomada por países desenvolvidos mostra que “alguma influência muito importante tem”.

Foto: Divulgação / ONU

O fornecimento de energia limpa faz parte da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU). Energia Acessível e limpa para todos é o sétimo objetivo de desenvolvimento sustentável (ODS) e prevê, até 2030, expansão e modernização da tecnologia para fornecimento de energia, cooperação internacional para facilitar pesquisas sobre energia limpa, dobrar a taxa global de eficiência energética, aumentar a participação de energias renováveis na matriz energética global e assegurar o acesso universal à energia limpa, através de preços praticáveis.

Sustentabilidade sem transcendência e Greenwashing

Apenas falar de sustentabilidade não basta. Existe até um termo, chamado de greewashing, para se referir a pessoas e empresas que mantêm o assunto do campo do discurso e não levam para a prática. “Se a empresa vende sustentabilidade no marketing, mas não age com ações sustentáveis, a gente tem um fenômeno muito grande, potencializado no meio digital, que é o greenwashing, uma ‘lavagem verde’, que é justamente as marcas quererem se posicionar como social e ambientalmente corretas, mas na prática não serem”, destacou Luiz Ongaratto.

As fintechs, empresas com processos financeiros feitos totalmente por tecnologia, foram usadas como exemplo pelo economista. Esse tipo de negócio digitaliza praticamente tudo e, assim pode ser considerado como sustentável, por não gerar resíduos. Porém, essas empresas consomem ainda mais energia que, por sua vez, não é gerada de maneira limpa. Ou seja, na prática, uma ação anula a outra. Na visão de Luiz Ongaratto, esse tipo de negócio agride o meio ambiente assim como as outras empresas, mas se comporta como se fosse “verde” e sustentável.

A Trágica Sustentabilidade em um Mundo sem Transcendência”

Em 2007, as professoras Fátima Cabral e Lúcia Arrais Morales publicaram um artigo denominado “A Trágica Sustentabilidade em um Mundo sem Transcendência“. No texto, as autoras criticaram a atitude de pessoas que se posicionavam a favor da sustentabilidade e faziam eventos como sustentáveis, enquanto na verdade essas reuniões geravam resíduos e benefícios financeiros por causa da imagem produzida.

As professoras não utilizaram o termo greenwashing, mas hoje, diante do avanço tecnológico e da emergência climática, que coloca o tema em mais evidência e facilita essa “lavagem verde”, é possível fazer a conexão entre greenwashing e uma sustentabilidade sem transcendência. À época, as autoras concluíram que, talvez, não fosse possível ser verdadeiramente sustentável no sistema capitalista.

Neste caso, o economista Luiz Ongaratto também comentou sobre a necessidade de um novo “pacto econômico, um capitalismo 2.0”, em que todo novo empreendimento ou expansão de uma grande empresa seja obrigada a ser sustentável. Para acelerar o processo, a inserção de jovens no mercado de trabalho ou a possibilidade de jovens empreendedores, que vão pensar essa nova economia, poderia ajudar.

“É fundamental repensar a nova economia e, junto com o jovem, pensar como construir para deixar um legado. O propósito das empresas não deve ser só econômico, isso é um efeito colateral. Que tipo de legado a gente quer deixar para as próximas gerações, porque, de fato, a gente não está administrando esse mundo para o futuro e, sim, para o uso de quem está vivenciando no presente”, pontuou.

Consequências da ação humana

Um dos efeitos da falta de sustentabilidade, da humanidade levando o mundo como se os recursos fossem infinitos, são os constantes incêndios que atingem as florestas. Muitos deles são causados diretamente por ação humana, às vezes com intenção, outras sem. Para auxiliar no combate aos incêndios florestais, a ONG Aliança da Terra criou a Brigada Aliança, uma proposta que nasceu após a percepção de que os produtores rurais enfrentavam muitos problemas com as queimadas.

“A gente montou uma primeira base no município de Novo Santo Antônio, no nordeste do Mato Grosso, para apoiar uma rede de produtores que a gente já fornecia assistência técnica no local. Só que fogo não tem fronteira, então não eram só nas áreas privadas dos produtores, como também nas terras indígenas, nas unidades de conservação e depois de um ano, dois anos, a gente percebeu que estava apagando mais fogo nessas áreas públicas do que realmente nas áreas privadas”, contou Aline Locks.

A conselheira da Aliança da Terra detalhou que durante 2021, a Brigada trabalhou, principalmente, no Pantanal, mas que, agora, com o início do período chuvoso, os brigadistas passam a realizar treinamentos e outros serviços. “A equipe vai para campo, visita propriedades rurais, leva informação aos proprietários e funcionários, oferece treinamento, faz inventário de equipamentos e de pessoas treinadas e capacitadas. Basicamente, monta redes de apoio e se prepara para a próxima temporada de fogo”, detalhou.

Quando o assunto é fogo, nas palavras de Aline, uma simples faísca pode virar um grande incêndio florestal e, por isso, se faz necessária a participação de todos os elos da sociedade para prevenir.

Incêndios no Pantanal (Foto: Divulgação Ecoa)

COP26

Para discutir o futuro do mundo, será iniciada neste domingo (31), a COP26, uma cúpula que visa encontrar soluções para as mudanças climáticas. Um dos assuntos discutidos é a redução de emissão de gases, que impactam no efeito estufa. Ao todo, 197 países devem participar do evento, que será realizado em Glasgow, na Escócia. Constam na pauta da reunião os efeitos do aquecimento global, como o aumento do nível do mar e eventos climáticos extremos, como as tempestades de areia que ocorreram no Brasil este ano.

De iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU), o evento é promovido todos os anos, desde 1995, com exceção de 2020, quando a conferência foi cancelada em função da pandemia da Covid-19.

#Forma do Bem Sagres

Esta é a oitava reportagem da série inspirada no filósofo grego Platão. Ele descreve “A Forma do Bem” como uma “Forma” (Ideia) análoga ao Sol que seria uma manifestação física que, assim como o Sol, torna os objetos visíveis e gera vida sobre a Terra. O “Bem”, nesse conceito, excede a vida, permite transcender para o além. Esta é a forma que, segundo Platão, permite ao filósofo, em treinamento, avançar para um rei-filósofo.

A Forma do Bem Sagres é um espaço de diálogo com a sociedade, para alcançar as pessoas com conhecimento, reflexões e indagações. A cada semana, nos próximos três meses, apresentaremos novos conteúdos que vão te ajudar a ir além e a construir a sua navegação pelas rotas da transcendência.

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