No mês de outubro de 2022 teremos eleições para a escolha de novos representantes para os cargos de presidente da República, governador, senador, deputado federal e estadual. Os políticos eleitos serão os responsáveis diretos por criar, planejar, executar e fiscalizar as políticas de saúde, educação, emprego, cultura, segurança, entre outras, pelos próximos quatro anos. Nossa democracia enfrenta problemas tais como: desigualdade, pobreza, polarização política, corrupção e fragilidade do Estado. São mazelas que nós criamos e a natureza pode nos dar algumas lições para resolvê-las.

Na natureza, muitos animais que vivem em grupo tomam decisões coletivas. Cada um confia no outro, visando a buscar por alimentos ou por maior proteção. Embora não realizem eleições como nós, seres humanos, os animais utilizam métodos democráticos para tomar decisões, que podem servir de inspiração para construirmos um processo eleitoral mais justo e democrático.

Abelhas têm processo democrático para escolha de novas colmeias. Foto: Paulo Lanzetta- Embrapa

Abelhas

Em seu livro Honeybee Democracy, que na tradução significa Democracia da Abelha do Mel, o investigador na área da neurobiologia comportamental da Universidade de Cornell (Escócia), Thomas Seeley, explica que as abelhas tomam decisões através de um processo democrático quando fazem escolhas importantes, “de vida ou morte”, e se mudam para uma nova colmeia.

Isso acontece no momento em que uma colmeia começa a ficar lotada. Dois terços das abelhas trabalhadoras e a rainha abandonam-na e partem à procura de um novo lar. Centenas de abelhas buscam novos locais para se instalar e descobrem cerca de 10 a 20 territórios, que são apresentados à colmeia, através de uma “dança” usada para explicar a observação delas.

Segundo o pesquisador, as abelhas conseguem apreciar e avaliar os benefícios da provável nova casa conforme o tempo de dança que lhe dedicam. Têm uma espécie de capacidade incorporada para julgar a qualidade de cada local.

Outras abelhas inspecionam os lugares informados e retornam para dançar para as primeiras. O melhor local é eleito através da dança mais vigorosa e a sua popularidade vai aumentando.

A análise de Seeley também é observada pelo pesquisador Ricardo Mastroti, biólogo e mestre em Oceanografia, pela Universidade de São Paulo (USP) e em Biomimética, pela Arizona State University.

“Cada abelha vai para um lado buscar uma casa, elas fazem uma dança, fazem um zigue-zague, as outras [ficam] observando. Cada uma que está dançando está contando o lugar que entregou, não é uma simples dancinha, a amplitude desse movimento tem a ver com a distância, com a qualidade do lugar que foi encontrado, e o eixo que ela dança tem a ver com o sol. E por aclamação elas vão decidir”, relatou Ricardo.

Aos poucos, umas batedoras são convencidas pelas outras e trocam de coreografia. Quando todas as batedoras concordam, o enxame voa para seu novo lar.

“Depois da dança, batem as asas e, dependendo da quantidade de abelhas que estão aclamando, vão se excluindo os piores projetos e ficando os vencedores. Ao final, vai como que uma decisão unânime e aí vão montar a colmeia delas”, afirmou Mastroti.

Coletivo

No Brasil, em tese, o processo eleitoral tem como objetivo discutir problemas e soluções para o Estado, ou seja, uma ordem social de grupos humanos, opondo-se ao individualismo. Ricardo Mastroti avaliou que diferente do exemplo das abelhas, em que há uma busca coletiva para resolução das demandas, na política brasileira, em muitos casos, prevalece o interesse individual.

“Para mim, o mais importante é que o coletivo prevaleça sobre o individual e isso nossa política mundial está muito distante. No Brasil, mais distante ainda. O individualismo, a busca por favorecimentos, é um foco no umbigo, no indivíduo e muito dificilmente os políticos que têm a grandeza de lembrar que exercem uma função coletiva”, analisou Ricardo.

O pesquisador alertou ainda que na natureza a norma é a colaboração e não necessariamente uma competição, ao invés de alguns muitos fortes e outros fracos, que todos de determinada espécie.

Representatividade

Além das abelhas, outro exemplo de democracia que pode ser vista no reino animal é com algumas espécies de cães selvagens africanos. Eles passam boa parte do tempo socializando e descansando, numa preparação para uma caçada.

Membros de uma matilha pulam e se cumprimentam em rituais cheios de energia chamados “comícios”. Depois de um desses comícios, os cães podem sair juntos para iniciar uma caçada, ou então podem retomar o repouso. Para votar na caça, os cães espirram. Quanto mais espirros ocorrem durante uma espécie de comício, maior a probabilidade de os cães saírem para caçar.

O exemplo dos cães nos remete a um modelo de democracia direta que acontecia na antiguidade em cidades-Estado da Grécia. A votação era direta, cada um tinha direito à fala e ao voto. No entanto, as populações foram aumentando, sendo este um dos problemas para este tipo de democracia.

Um caminho buscado pelo ser humano foi a democracia representativa como temos no Brasil, em que escolhemos homens e mulheres para nos representar, para discutir temas, aprová-los ou rejeitá-los, entre outras questões.

O doutor em Sociologia e cientista político Pedro Célio Alves Borges destacou que no século XVII foram analisados modelos de representatividade e que a ideia era que os corpos diretivos da sociedade, aqueles que tomam decisões, deveriam ficar mais próximos das formas de vida de suas respectivas sociedades. Eles buscariam fazer com que as vontades dos demais que não participam dos locais de representação fossem manifestas através de outras vozes.

Conforme Pedro Célio, a sociedade é composta por diferenças, conflitos, problemas, divergências de opiniões. Com isso, foi construída a representação da maioria, uma das tendências majoritárias, hegemônicas na vida de um país, e criou-se também a forma dos partidos políticos, dos sistemas eleitorais, da repartição dos poderes e separação das funções. No entanto, Pedro Célio ressaltou que ainda há problemas de representação na democracia brasileira, pelo fato de passar por várias mediações. No Brasil os problemas não acontecem de maneira casual, na visão do cientista político.

“Os problemas acontecem pela má formação endêmica de nosso país. É porque há um acerto de poder político nas elites brasileiras, os grupos e comando, as formas de conivências com os poderes internacionais e leis são criadas para tornar menos efetivas essas representações. Criamos este ato na democracia representativa. O sistema fica descolado dos problemas”, avaliou.

Ricardo Mastroti avaliou que nem sempre é possível consultar a todos, mas que este não é o principal problema, mas, sim, identificar a capacidade de cada líder em ocupar os espaços de representação coletiva.

“O problema é identificar o que é adequado para cada função. Há momentos que todos devem ser ouvidos, como nos plebiscitos, nas eleições. Depois em muitos grupos de animais existem aqueles que exercem influência sobre outros. No caso humano chama atenção é que é radicalmente oposto na natureza. Por que este líder é líder? Como ele chegou a um cargo de confiança? Um líder indígena, por exemplo, é um líder porque tem qualidades e habilidades demonstradas que é o que a gente tenta fazer através das eleições, mas criamos o dinheiro e criamos um modo artificial em que este modo de liderança é merecido, mas tem a ver com a função que a pessoa precisa exercer”, argumentou Mastroti.

Equilíbrio

Diante disso, Pedro Célio reforçou a importância de um equilíbrio. Assim como na natureza, as abelhas têm poder de fala e uma construção coletiva. Da mesma forma deve acontecer com os humanos e, principalmente, com os grupos chamados de minorias. Além disso, as decisões não são perenes, mas podem ser alteradas.

“Aí o desafio original da democracia permanece, que é negociar as diferenças, estabelecer pontos de convivência, de equilíbrio e de respeito para que as minorias não sejam suprimidas diante de maiorias e saber que as maiorias podem mudar”, destacou.

Neste ano de 2022, a Justiça Eleitoral tem incentivado o eleitor a participar da vida política do país, por meio de propagandas institucionais. Sobre as eleições deste ano, Pedro Célio considerou que a democracia foi bastante atacada nos últimos anos.

“Quando se fala que a democracia é a ponte e o caminho, na verdade o debate está tentando reforçar que a política é a ponte e o caminho. A política foi muito agredida, nesses últimos anos, assim como as instituições, os poderes separados, mas organizados. A ideia de partidos políticos, a noção de que todo político é corrupto e pessoa de bem não entra na política”, relatou.

Inspiração

Nas sociedades contemporâneas, a política será valorizada se os membros, os diferentes agrupamentos puderem participar dos mecanismos de decisão, assim como os exemplos citados nesta reportagem. Em outubro haverá eleição, mas o processo democrático é permanente, e os problemas podem ser reduzidos com colaboração, integração e participação popular, assim como nas colmeias e nas matilhas.

Assista à reportagem na íntegra:

Na próxima semana, você saberá como este assunto se conecta com a área da economia!

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