Um relatório de um consórcio global de universidades, liderado pela University College London (Reino Unido), do qual a Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP participa, revela que os jovens, que ficaram fora diretamente do grupo de alto risco para a covid-19 no início da pandemia, tiveram suas necessidades amplamente ignoradas nas decisões políticas ao redor do mundo. Nesse sentido, isso resultou em prejuízos de longo prazo para essa população.

Além disso, o relatório denuncia a lentidão na ação dos governos e as falhas políticas nos esforços para conter a propagação da covid-19. Esses como fatores responsáveis pelos impactos negativos na saúde e no bem-estar das crianças e dos jovens. O trabalho de várias equipes é em dois volumes. O primeiro, o Relatório Completo detalha os impactos mais amplos na vida de crianças e jovens no Brasil, Reino Unido e África do Sul. Enquanto o segundo, o Relatório Resumido, destaca os impactos em todo o mundo.

Então, devido ao isolamento social e aos impactos sociais e econômicos decorrentes das medidas restritivas durante a crise sanitária, a educação das crianças e dos jovens foi prejudicada. Além disso, o acesso a alimentos nutritivos e saudáveis foi reduzido. A capacidade de se desenvolver socialmente por meio do lazer e das brincadeiras também foi significativamente limitada.

Esses impactos foram especialmente severos para aqueles que viviam em famílias pobres ou desfavorecidas em todo o mundo. No Brasil, essas situações foram em circunstâncias semelhantes ou até mais extremas, de acordo com o relatório. Sendo assim, para elaborar o documento, as equipes de pesquisa compilaram e revisaram vários relatórios publicados. Também trabalharam a literatura acadêmica sobre os impactos da pandemia de covid-19 em crianças e jovens. O foco foi nos efeitos sobre o acesso à educação, alimentação, brincadeiras e lazer.

Brasil

Leandro Giatti - Foto: IEA/USP
Leandro Giatti – Foto: IEA/USP

De acordo com Leandro Giatti, professor da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP e coordenador da equipe brasileira da pesquisa, “além de produzir conhecimento relevante sobre como crianças e jovens foram afetados pela pandemia, a pesquisa também permite compreender a capacidade adaptativa deste grupo social tendo em vista o impacto difuso da crise sanitária global”, afirma em entrevista ao Jornal da USP.

Nesse sentido, a implementação de modelos remotos de ensino no Brasil evidenciou a exclusão digital. Isso afeta significativamente uma grande parcela da população, especialmente em domicílios e regiões com acesso limitado à internet. Um relatório demonstrou que a adoção de modalidades virtuais de ensino contribuiu para aprofundar a disparidade de aprendizado, destacando que 75% dos jovens brasileiros pertencentes às classes socioeconômicas mais baixas e com idade acima de 16 anos utilizam exclusivamente o celular para acessar a internet.

Entretanto, no contexto dessas circunstâncias, é essencial reconhecer o papel das escolas públicas nas áreas periféricas. Leonardo Musumeci, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da FSP e membro de um grupo de pesquisadores brasileiros, ressalta a importância da atuação dessas escolas nessas regiões.

“Por ser uma rede capilarizada e considerando sua forte presença no cotidiano das famílias, esses equipamentos foram decisivos, em muitos contextos, para manter o vínculo e o acompanhamento pedagógico de crianças e jovens, inclusive nas ações de promoção da saúde voltadas à orientação, informação e distribuição de recursos”, afirma.

Ensino remoto

Leonardo Musumeci - Foto: IAB SP
Leonardo Musumeci – Foto: IAB SP

O modelo de ensino remoto teve um impacto significativo no acesso aos alimentos devido à interrupção dos programas de alimentação escolar. “O Auxílio Emergencial, assim como as ações de doação e distribuição de alimentos, foram cruciais para amenizar a extrema pobreza, mas foram amplamente insuficientes para conter o grave avanço da fome, que alcançou 33 milhões de brasileiros”, completa o pesquisador.

De acordo com o documento, houve um aumento significativo na incidência de insegurança alimentar severa nos lares brasileiros com crianças de até 10 anos de idade. Sendo assim, essa situação está intimamente ligada aos índices elevados de desemprego e à consequente diminuição da renda familiar, agravada pela ausência de políticas rigorosas de controle de preços dos alimentos. Como resultado desses fatores, a insegurança alimentar severa apresentou um crescimento de duas vezes em relação a períodos anteriores.

Segundo o relatório, ocorreu uma significativa redução das oportunidades de socialização e lazer, que se concentraram principalmente em ambientes fechados e virtuais. Nos bairros periféricos, caracterizados por habitações precárias, coabitação e superlotação, foi especialmente difícil cumprir as medidas de distanciamento social. Da mesma forma, as opções de lazer praticamente não existiram pela escassez de espaços abertos e áreas verdes.

Consequências negativas

O relatório alerta que os impactos decorrentes da pandemia provavelmente terão consequências negativas para crianças e jovens a curto, médio e longo prazo. Para Luciana Bizzotto, pós-doutoranda da Faculdade de Saúde Pública da USP, a investigação “dá um importante passo ao reconhecer que esses sujeitos de direitos também transformam o mundo em que vivem e não estão passivos à realidade que os cerca”.

“É o que pretendemos mostrar nas próximas etapas, quando jogaremos luz em experiências, opiniões e sentimentos de crianças e jovens, especialmente aqueles que vivem em territórios urbanos em situação de vulnerabilidade socioambiental”, afirma ela.

Lauren Andres - Foto: AUDAcademy
Lauren Andres – Foto: AUDAcademy

De acordo com a coordenadora da equipe internacional, professora Lauren Andres (UCL Bartlett School of Planning), a pandemia de covid-19 revelou e agravou as desigualdades que já estavam presentes antes do seu surgimento. “As vozes e necessidades das crianças e jovens não foram ouvidas e consideradas. Nossa pesquisa mostra que, devido a lacunas políticas e ação lenta do governo durante a pandemia, crianças e jovens desfavorecidos enfrentam agora graves consequências e isso pode permanecer com eles por muito tempo”, diz.

Recomendações

Então, com base nisso, a equipe de pesquisadores elaborou cinco recomendações com o objetivo de assegurar que o bem-estar das crianças e dos jovens seja considerado em qualquer planejamento pandêmico futuro. Essas sugestões abrangem as seguintes medidas:

  • Manter as crianças e os jovens como prioridade na prevenção de futuras pandemias;
  • Dar maior atenção e prioridade às experiências e vozes dos jovens, especialmente os de famílias em situação de pobreza;
  • Reconhecer a importância central das escolas como espaços de vida e cuidado;
  • Valorizar o direito das crianças ao brincar e ao lazer, reconhecendo sua importância para o desenvolvimento dos jovens;
  • Implementar respostas mais estruturadas e sistêmicas diante das várias dimensões do risco, baseadas em uma avaliação rigorosa das medidas que funcionaram e das falhas ocorridas durante a pandemia.

O consórcio global de universidades, composto pela USP em parceria com a University College London, University of Birmingham (Reino Unido) e University of Free State (África do Sul), conduziu uma pesquisa como parte da primeira fase do projeto Panex-Youth. O objetivo do projeto é compreender como crianças e jovens se adaptaram à pandemia de covid-19, avaliando seus impactos nos três países: Reino Unido, África do Sul e Brasil. O financiamento para o projeto foi conjuntamente do Economic and Social Research Council (ESR), da National Research Foundation (NRF) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Para ter acesso ao relatório completo e ao resumo, visite o site da Panex Youth.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 03 – Saúde e Bem Estar

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