Começou na última segunda-feira (12) o cadastramento das propostas para o edital de chamamento público conjunto entre a Caixa Econômica Federal, o Banco de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES) e a Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos do Ministério da Economia (SEPPI/ME). O documento estabelece critérios para a seleção de projetos para o setor de saneamento básico e contribuição no manejo de resíduos sólidos urbanos de origem domiciliar.

O mestre em Gestão de Água e Efluentes que atua na área de tratamento de água e aterros sanitários, William Padilha, explicou que esse edital é muito importante para buscar outras maneiras e tecnologias de dispor resíduos, além dos aterros sanitários, que no Brasil é a maneira mais barata, mas não necessariamente a melhor para o meio ambiente.

“É muito importante porque temos leis que foram organizadas em 2010 através do PNRS, que é o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, e tínhamos a meta de eliminarmos os aterros do país até 2014, mas claramente não deu certo. Agora a gente está com uma meta até 2024, que vai passar adiante”, e completou. “Isso é muito complicado porque as cidades precisam de um local adequado para dispor seus resíduos, e isso tem a ver com saneamento, qualidade de vida da população, higiene e saúde”, disse.

O foco do edital é o manejo de resíduos de origem doméstica. Desta forma, as propostas devem abranger os aterros sanitários controlados e contribuir para acabar com o lixões, que são locais onde os resíduos sólidos são depositados a céu aberto. Padilha afirmou que o impacto maior deve ocorrer nos pequenos municípios, uma vez que as grandes e as médias cidades já possuem aterros sanitários. 

“Para que um aterro sanitário seja economicamente viável hoje, ele deveria ter um tamanho acima de 200 ou 300 toneladas/dia. Essa é a meta deste edital. Então, ele vai incentivar que cidades pequenas, que teriam aterros pequenininhos e que não são tão lucrativos e não conseguem parar em pé financeiramente, se unam com outras cidades pequenas, formem um bloco e decidam fazer conjuntamente um local para disposição final de resíduos”, destacou.         

Gestão de resíduos

(Foto: Ministério Público/ Sem isolamento, o lixo é esparramado diretamente no solo)

Em entrevista recente à Sagres, o especialista em Gestão Ambiental e Desenvolvimento Sustentável, André Maciel Pelanda, estimou que existem cerca de três mil lixões a céu aberto no Brasil. Essa forma de descarte dos resíduos é prejudicial à vida humana, animal e ao meio ambiente por causa da poluição e da contaminação do solo e da água.

William Padilha acredita que a maioria das cidades pequenas do país não têm condições de manter os aterros sanitários que precisam criar, seja por causa do tamanho ideal ou pela dificuldade financeira de manutenção. “É um processo difícil porque só o valor de entrada de resíduos, às vezes, não é suficiente para manter a estrutura, então a maioria das cidades acaba no vermelho com esses aterros”, pontuou.

O especialista ressaltou ainda que o apoio governamental pode ajudar esses municípios a estabelecer um local para depósito final de resíduos e manter da forma mais adequada possível. “É muito importante que os aterros sejam feitos com todas as tecnologias e possibilidades para ter um bom tratamento de chorume, para que esse efluente que sai do resíduo não contamine solo, água, lençol freático e rios. Mas isso também é caro e por isso, às vezes, a conta não fecha”, disse. 

Propostas

Conforme o edital, os projetos devem partir de Estados, do Distrito Federal e de arranjos regionais legalmente constituídos. As inscrições são realizadas gratuitamente mediante submissão das propostas até o dia  28 de fevereiro de 2023. A publicação do resultado do Chamamento Público será em 5 de maio.

Marco do Saneamento estabelece prazo para acabar com lixões até 2024 (Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil)

Muitas cidades possuem aterros sanitários de pequeno porte e outras, lixões a céu aberto. Por esse motivo, o edital prevê consórcios que atendam fatores como quantidade de municípios e população. Desta forma, é possível acabar com o descarte inadequado e tornar o manejo final dos resíduos mais sustentável financeiramente e menos poluente.

“Com a ideia de unir esses aterros se elimina os focos pontuais de poluição, e esse lixo todo vai para um lugar onde possa tratá-lo de maneira mais adequada. A tendência é que vá se eliminando os lixões e se diminua aqueles aterros que não têm capacidade de se desenvolver por causa do seu tamanho. O consórcio consegue controlar mais o chorume, a gestão de resíduos, a questão dos animais e do odor”, reforçou.

Serviços divisíveis

Estão previstas no edital propostas para serviços divisíveis como coleta, transporte, seleção para reutilização e reciclagem, tratamento e depósito ambientalmente adequado. Sendo assim, são excluídas propostas para atividades como poda, capina, varrição e recuperação de áreas degradadas.

Segundo o BNDES, o desenvolvimento de projetos para o serviço público de saneamento básico através deste edital busca estimular a regionalização dos serviços e a participação privada no manejo dos resíduos sólidos urbanos. Padilha acredita que essa definição deixa o edital mais atrativo.

“Quando crio um bolo grande que não consigo separar é mais difícil obter pessoas que tenham interesse em trabalhar nesses projetos. Posso acomodar também num pacote mais fracionado interesses e parceiros diferentes da região. Então, aterros como esse não surgem da vontade de um prefeito só, surgem da vontade coletiva de um grupo de pessoas. E quando ela é divisível é possível entender melhor essas necessidades políticas e facilita também buscar parceiros especializados em cada área para prover o melhor serviço”, salientou.

Coleta seletiva é realizada em Goiânia. (Foto: Luciano Magalhães/Comurg)

Segundo o especialista, quando existem áreas contaminadas e é preciso descontaminar com coleta de gases, por exemplo, é mais difícil em função da necessidade de um investidor. “É um negócio interessante porque você busca parceiros mais especializados, mas não necessariamente isso vai ser melhor para a cidade porque dependendo da situação específica vários parceiros não vão se interessar em pegar as partes mais complexas do projeto e que não sejam financeiramente atrativas”, contou.

Legislação 

Saneamento básico envolve tudo que o ser humano produz e descarta diariamente. Ele é importante para a saúde, economia e é um direito fundamental, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). A erradicação dos lixões beneficiará a sociedade e o meio ambiente, já que o impacto ambiental no solo, ar e água será reduzido. Além de melhorar a qualidade dos serviços para a população.

Saneamento
Local sem saneamento básico. (Foto: Arquivo/Agência Brasil)

Para William Padilha, a gestão de resíduos já está evoluindo nas grandes cidades, que têm taxas referentes ao manejo no Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) ou na conta de água. Porém, ele pontuou que mais da metade do país não sabe o que é pagar uma taxa por gestão de resíduos. 

“A gente lembra que 30% dos municípios brasileiros não têm possibilidade de subsistência com os próprios recursos, ou seja, eles dependem muito do governo. E a taxa de resíduos não cabe no orçamento do município e nem do morador. Então, a população está mais consciente quanto à reciclagem e evitar a geração de resíduos nos últimos anos”, destacou.

Em 2020, o Congresso Nacional atualizou a Lei do Novo Marco Legal do Saneamento Básico para atribuir à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) a competência para editar normas de referência sobre o serviço de saneamento. Para William Padilha, a decisão dos parlamentares foi boa e ruim ao mesmo tempo.

“Ele regula e organiza um pouco o setor dando oportunidades a empresas privadas adentrarem o setor de água e esgoto, que não era uma possibilidade diferente do resíduo. [..] O problema tanto com o saneamento quanto com o resíduo são os locais onde não há viabilidade econômica, e o edital é importante porque ele cobre economicamente e busca ajustar a vantagem que é dada ao privado às necessidades do público”, explicou.

Padilha destacou que o marco agregou valor ao mercado e que a gestão de resíduos deve seguir o mesmo padrão. “Ainda mais agora que a gente entendeu que com o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) podemos buscar os créditos de carbono em aterros sanitários, e a produção de biogás, que também ajuda a pagar conta. Mas em geral eu acho que esse edital vem para auxiliar mesmo e talvez organizar um pouquinho melhor esses projetos, onde eles não têm tanta vantagem econômica”, finalizou.   

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